Não há nada ali, além de duas avenidas asfaltadas, alguns hotéis que brotaram não sei de onde e muitos prédios do governo, agências humanitárias e órgãos ligados à ONU. Comércio? Dois postos de gasolina, um ou outro mercadinho e só. Dois hospitais (se bem que um deles, vou te falar, só com muita boa vontade para chamar de hospital), uma ponte metálica sobre o rio Nilo, um porto que na verdade é um barranco para balsas enferrujadas e mais nada digno de nota.
O aeroporto é um casebre, com um sistema “revolucionário” de entrega de bagagem. Na falta de uma esteira, um funcionário empurra as malas no chão, uma a uma, de um canto a outro do “terminal” de desembarque.
Mas é verdade, essa cidade poderá muito em breve ser a capital do 193º Estado soberano do mundo, o Sudão do Sul (se bem que desconfio que vão arrumar um outro nome para o lugar).
Para janeiro, está previsto um plebiscito sobre a independência de dez Estados do sul do Sudão, que na prática já formam uma outra nação.
Suas 10 milhões de pessoas são negras, em nada parecidas com seus compatriotas árabes do norte. Têm muito mais relação com a África central. Também não seguem o Islã. Preferem o cristianismo e religiões tradicionais africanas.
Durante duas décadas, sul e norte guerrearam, tendo em mente, como não poderia deixar de ser, riquezas naturais. O sul tem jazidas inexploradas de petróleo. Dois milhões de pessoas morreram, num dos conflitos mais feios do feio século 20 africano. Em 2005, finalmente um acordo de paz, e o sul conseguiu extrair do norte a promessa de que, se quisesse, poderia se separar. Daí o plebiscito, marcado para janeiro de 2011.
Num continente em que a integridade dos Estados é sacrossanta, e que casos raros de independência são arrancados na marra, a perspectiva de uma secessão pacífica, baseada na vontade do povo, é boa demais para ser verdade.
Tão boa que custa a crer. Como escrevi na matéria publicada ontem na Folha de S. Paulo, Juba será em breve uma nova capital ou o palco de uma nova guerra. Talvez as duas coisas. É difícil imaginar o norte aceitando perder 25% de seu território e incontáveis riquezas sem uma atitude mais drástica, embora prometa respeitar a decisão popular.
Não há muita dúvida de que um voto seria pró-independência. O sul se sente “colonizado” pelo norte –e totalmente abandonado à sua própria sorte. Quando comentei com um alto funcionário da missão da ONU que havia muito ressentimento com o governo central, ele me deu uma sacaneada. “Esse é o eufemismo do ano”.
É fácil perceber de onde vem tanta insatisfação. A ONU fala em “estatísticas assustadoras” e a décadas de negligência no desenvolvimento da região. Mais de 90% estão abaixo da linha de pobreza. Ridículos 2% de mulheres sabem ler e escrever. Uma garota de 15 anos tem mais chances de morrer no parto que de concluir o ensino secundário. Nada menos do que 45% da população passam fome.
Nos próximos posts, falarei mais sobre esse novo candidato a um “Estado fracassado” que surge nos confins da África.
Escrito por Fábio Zanini às 12h59