23 de set. de 2009

Uma homenagem ao Almirante Negro


Exposição na Biblioteca Nacional apresenta os documentos que colocaram a Revolta da Chibata nos livros de história do Brasil
por Bruno Fiuza
Reprodução

Para comemorar os 50 anos do lançamento do livro A revolta da Chibata, do jornalista cearense Edmar Morel, a Biblioteca Nacional organizou a exposição “A revolta da Chibata – O jornalista e o marinheiro”. Inaugurada no dia 10 de setembro, a mostra fica em cartaz até novembro e pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h, no terceiro andar da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

A obra homenageada não é um livro qualquer: foi o primeiro a contar a história da rebelião organizada por um grupo de marinheiros no Rio de Janeiro em 1910 para reivindicar o fim dos castigos corporais na Marinha. No dia 22 de novembro daquele ano, um grupo de oficiais da Armada brasileira tomou os encouraçados Minas Gerais, São Paulo e Deodoro, e apontou os canhões dos navios para o palácio do Catete, na época sede do governo federal.

A revolta durou até o dia 26 de novembro, quando o governo do presidente Hermes da Fonseca concedeu anistia aos insurretos. Foi, no entanto, uma vitória de Pirro para os marinheiros. Poucos dias depois os revoltosos começariam a ser demitidos da Marinha e, na sequência, presos e torturados. O único participante da revolta que sobreviveu à repressão foi o líder do movimento, João Cândido, conhecido como o “Almirante Negro".

Por mais de 40 anos, a revolta foi um tabu para as Forças Armadas brasileiras. Os poucos pesquisadores que tentaram levantar a história na década de 30 foram perseguidos pela Marinha e tiveram de desistir da empreitada. Foi só em 1958 que Edmar Morel conseguiu reunir o material necessário para contar a história daquela que ele batizou de A Revolta da Chibata, título do livro que publicou em 1959. Morel não só reuniu documentos como entrevistou pessoas ligadas ao movimento, incluindo João Cândido, de quem ficou amigo. A exposição em cartaz na Biblioteca Nacional apresenta 35 documentos usados pelo jornalista para resgatar do ostracismo uma revolta popular que, se dependesse da Marinha, continuaria relegada aos porões da história.

http://www2.uol.com.br/historiaviva/noticias/os_monumentos__escritos__ao_almirante_negro.html

Excelente!

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22 de set. de 2009

Qual a razão da intervenção brasileira nesse cenário?

Crise em Honduras

Luiz Raatz, do estadao.com.br

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SÃO PAULO - A crise política em Honduras se agravou a partir de março quando o presidente Manuel Zelaya apresentou uma proposta para realizar um plebiscito sobre a criação de uma assembleia constituinte que permitisse a reeleição presidencial. Zelaya, que se elegeu por uma coalizão de centro-direita em uma acirrada disputa em 2005, se aproximou durante o mandato do presidente venezuelano, Hugo Chávez e tem enfrentado uma oposição cada vez mais severa da oposição hondurenha.

Em março, Zelaya propôs realizar um referendo para realizar em novembro uma Assembleia Constituinte. Segundo ele, a mudança constitucional era necessária para fazer as mudanças que Honduras necessita para se desenvolver. Entre as mudanças está a reeleição para presidente. Segundo a atual Carta Magna do país, promulgada em 1982, o mandato único do presidente da república é uma cláusula pétrea e não pode ser alterada.

Zelaya governava com minoria no Congresso, que é unicameral. Seu partido, o Liberal, tem 62 cadeiras, contra 55 do Partido Nacional e outras 11 de partidos opositores menores. Com a proposta do referendo, o presidente começou a perder apoio dentro do próprio partido.

Em Honduras, a Suprema Corte, que é apontada pelo Legislativo, também se posicionou contra a realização do referendo. Zelaya também tem uma relação difícil com os meios de comunicação. Em 2007, obrigou por decreto rádios e televisões a exibirem duas horas de propaganda do governo por julgar que a cobertura dos grandes veículos era tendenciosa.

O golpe

A tensão entre o Executivo e os demais poderes e o Exército cresceu nas semanas que antecederam o golpe. O plano do presidente foi considerado ilegal pelo Congresso e pela Justiça. Cinco dias antes da derrubada de Zelaya, em 28 de junho, o Legislativo aprovou uma lei que proibia a realização de referendos ou plebiscitos 180 dias antes ou depois de eleições gerais, o que impossibilitaria os planos do presidente. Em seguida, o chefe do Exército, general Romeo Vasquez, disse que não ajudaria na organização do referendo para não desrespeitar a lei.

Líderes militares se recusaram a entregar urnas para a votação, uma decisão que levou à demissão do general Vasquez e à renúncia do ministro da Defesa, Edmundo Orellana. Os chefes da Marinha e da Aeronáutica também renunciaram em protesto.

Simpatizantes do governo então entraram em uma base militar e retiraram as urnas que estavam guardadas lá.O Exército, por sua vez, colocou centenas de soldados nas ruas da capital, dizendo que quer prevenir que os aliados do presidente causem confusão.

Um dia antes do golpe, o presidente ignorou uma decisão da Suprema Corte para devolver o cargo ao chefe do Exército. "Nós não vamos obedecer a Suprema Corte", disse o presidente a uma multidão de simpatizantes em frente à sede do governo. "A corte, que apenas faz justiça aos poderosos, ricos e banqueiros, só causa problemas para a democracia."

No dia 28 de junho, militares invadiram o palácio presidencial, prenderam Zelaya, ainda de pijama, em seu dormitório e o colocaram num avião para a Costa Rica. À noite, o Congresso leu uma carta atribuída ao presidente na qual ele renunciava, o que foi desmentido por ele, e o destituiu do cargo.

18 de set. de 2009

De pax tucana e Febeapá

18/09/2009 11:42:29

Há momentos de puro enlevo, a vida é capaz disso. Somos todos pacifistas, creio eu, mas o que mais me comove neste exato instante é a esperança da mídia nativa em uma duradoura paz tucana. Sobretudo, da mídia paulista. Tamanho é o anseio, que o pessoal, às vezes, se precipita. Na segunda 14, os jornalões anunciavam um entendimento decisivo entre os pré-candidatos do PSDB à Presidência da República, José Serra e Aécio Neves: nem um, nem outro, afirmavam em papel impresso, querem prévias para a escolha do nome definitivo. Ora viva, que se apresente o melhor. No mesmo dia, outro anúncio: o governador de São Paulo escolheu seu candidato à sucessão, é Geraldo Alckmin. Tratava-se de informações baseadas na verdade factual ou no livre pensar esperançoso? Verifica-se, antes que dois sóis se ponham, que nada naquele noticiário corresponde à realidade. Aécio Neves surge na ribalta para declarar que as prévias partidárias ainda representam o melhor instrumento para apontar o candidato preferido pelo partido e por seus eleitores. Verifica-se, também, que nada está resolvido quanto à unção do candidato da maioria situacionista paulista à sucessão de Serra. Tanto alvoroço em torno de tais questões deixa absolutamente claro outro ponto (e a nitidez não é surpreendente): confirma-se, por parte dos jornalões, a opção definitiva (apoio futuro, compacta adesão, maciça sustentação) pelas candidaturas tucanas. Algo que, nesta moldura, causa alguma espécie é o súbito interesse midiático por outra candidatura, a da senadora Marina Silva. Como de hábito, a esperança resiste: supõe-se que a ex-ministra represente um obstáculo consistente no caminho de Dilma Rousseff. CartaCapital reafirma sempre ter tido respeito, apreço e até carinho por Marina Silva, de quem lamentou a saída do governo, que apontou, aliás, como erro. Agora a esperança é nossa: de que a senadora não se iluda com certos apoios midiáticos. • Recebemos muitas cartas a respeito da reportagem de capa da semana passada, e da posição de CartaCapital em relação ao caso Battisti. Na seção competente desta edição publicamos três: uma a favor, outra contra, outra a meio caminho, digamos assim. Respondo aqui à segunda e terceira. Permito-me, porém, imaginar, como faço há algum tempo, o que comentaria a respeito o inolvidável Stanislaw Ponte Preta. Arrisco o palpite: concluiria que o Febeapá dos tempos dele, o Festival de Besteira que Assola o País, era muito menos grave e assombroso do que o de hoje. O Febeapá atual não promove o Brasil, mostra gente demais, graúda e miúda, a viver em estado de confusão mental. Não me dirijo ao leitor Zeca Moraes, que entendeu as nossas razões. E sim a Sergio Rego. Para lhe dizer que a ilegalidade cometida pelo ministro Tarso Genro ao dar refúgio a Cesare Battisti está no clamoroso desrespeito à própria lei brasileira, conforme provou inapelavelmente, com uma peça jurídica impecável, o relator do processo, ministro Cezar Peluso. Tentem inteirar-se do conteúdo da relação do ministro, lá estão todos os esclarecimentos necessários para entender que, no lamentável episódio, mandou-se às favas não somente a lei, mas também a razão e o conhecimento da história contemporânea. Infelizmente, no Brasil há eminentes juristas, entre eles constitucionalistas, que tiram nota zero nessa matéria. Quanto à terceira carta, do leitor e amigo Henrique: tu quoque? Que tal recorrer a Montesquieu? Os poderes democráticos são iguais e independentes entre si. Só ao Supremo compete decidir se no caso cabe, ou não, o asilo político. Quanto ao refúgio, justifica-se somente se o extraditado corre, devolvido à sua terra, efetivo risco de vida. É óbvio que não é o caso da Itália, Estado Democrático de Direito. O próprio ministro Genro acabou por reconhecer, já depois de decidida a ilegalidade do refúgio, que Battisti, se for extraditado, terá sua incolumidade física garantida. E então, por que o refúgio? E que tem a ver o caso Battisti com a soberania do Brasil? Soberania para cometer desatinos políticos, jurídicos e históricos? E que diriam os missivistas que defendem Battisti se o ministro da Justiça da Itália negasse validade a uma sentença passada em julgado no Brasil?

14 de set. de 2009

Novo CQC?

Após CQC, La Liga Formato Internacional: Jornalístico pode emplacar na Band

Criadora do projeto de sucesso CQC, no ar no Brasil pela Band, a produtora argentina Cuatro Cabezas deve emplacar em breve mais um formato polêmico por aqui.

Já com uma filial em São Paulo, a empresa negocia outras atrações com emissoras locais, entre elas, o jornalístico La Liga (A Liga). Sucesso na Espanha, Itália e Chile, o programa, que tem grandes chances de ganhar uma versão na própria Bandeirantes, tenta mostrar, com humor, drama e uma boa dose de acidez, várias maneiras de se contar ao público uma mesma notícia.

No formato original, La Liga (A Liga) é composta por quatro integrantes, entre atores e jornalistas, que saem em busca de reconstituir um fato jornalístico e contar, com enfoques diferentes, a mesma história. Entrevistas e testemunhos dos mais diferentes pontos de vista do caso em questão fazem parte da investigação jornalística do programa.

Por aqui, La Liga segue em negociação, mas já tem as portas abertas por causa do sucesso do CQC. Este, por sinal, volta de férias em março na Band, reformulado e com a promessa de ter descolado uma integrante mulher.(fonte:estadão)

12 de set. de 2009

Fotógrafo andarilho de um planeta não revelado

Sebastião Salgado finaliza o ambicioso projeto Gênesis e fala da arte que tem como ofício

Laura Greenhalgh, de O Estado de S. Paulo

Foto: Marcos de Paula/AE

Sebastião Salgado tem o mundo impresso na memória. E pode comprovar isso. Aos 65 anos de idade, 36 deles dedicados à fotografia, cruzou o planeta em todas as direções, inclusive emburacando-se pelos lugares mais recônditos, para compor este que já é certamente um dos maiores acervos autorais de imagens de que se tem notícia. Mas Sebastião Salgado, pasmem, garante na entrevista a seguir que está ficando velho. E que um dia pode parar de fotografar. A previsão surpreende na voz que ainda se exalta, e se transporta, ao explicar as andanças pelo mundo em busca de rostos, gestos, corpos, lugares. "Para fazer fotografia documental é preciso ter sempre a ‘vontade de ir’. E eu tenho."

Em 2004, este mineiro de Aimorés, famoso no mundo inteiro pelo que vê e dispara de sua Leica (depois pôs-se a fazer o mesmo da Pentax e agora da Canon) anunciou que passaria oito anos fotografando lugares prístinos, ou seja, paraísos terrestres habitados por agrupamentos humanos cujos laços com a natureza são ainda primordiais. E que o projeto receberia o batismo bíblico de Gênesis. Pois a empreitada vai chegando ao fim. Prestes a embarcar em um navio para a Geórgia do Sul, contornando as Malvinas, Sebastião Salgado - Tião para os próximos - está quase no fim da série de 32 reportagens fotográficas por cinco continentes, numa geografia estranha aos roteiros turísticos convencionais. Longe disso: o economista que se bandeou para a fotografia aos 29 anos, hoje admite escalar a antropologia visual.

Não o faz sozinho. Tem a seu lado a arquiteta Lélia Wanick Salgado, a Lelinha, para Tião, mulher, mãe de seus dois filhos e "minha sócia na vida". Isso diz tudo. Foi com a Leica de Lélia que começou a fotografar nos anos 70 (ambos estudavam e moravam em Paris). Foi com o apoio de Lélia que trocou de profissão (era economista da Organização Internacional do Café e decidiu procurar emprego em agências fotográficas como Gamma, Sigma e Magnum) e foi com Lélia que montou, nos anos 90, a Amazonas Images, especializada em Sebastião Salgado. É Lélia quem edita os livros de fotografia dessa grife consagrada - entre eles, Trabalhadores, Terra, Êxodos e tantos outros - assim como é Lélia quem arquiteta e controla a montagem de exposições do marido pelo mundo (dentro de alguns dias vai inaugurar uma em Tóquio). Por muito menos, Lelinha já seria "a mulher de verdade", como diz o samba famoso, só que tem mais: ela preside o Instituto Terra, um vasto e bem-sucedido projeto ambiental, concebido com o marido na região do Vale do Rio Doce.

Da experiência direta com o ambientalismo veio a vontade de fotografar o planeta em lugares onde poucos pisaram, como explicará Sebastião. Gênesis estará concluído no ano que vem e, a partir daí, começam exposições de imagens do projeto que, a depender da vontade do casal Salgado, serão eventos ao ar livre, em grandes parques, por várias capitais do mundo. As fotografias também serão tema de um filme de Wim Wenders, com trilha do jovem compositor americano Jonathan Elias. Nestas páginas, quatro imagens dão apenas uma amostra do que vem por aí. Como o grupo de índios Zo’e, do Pará, povo que hoje não chega a 280 pessoas - vistos na mata, com seus cocares brancos, em fotografia jamais divulgada. Cenas de uma beleza desconcertante para ‘ocidentais’ tão domesticados.

Foto: Sebastião Salgado/Amazonas Images

Você tem dito que o Gênesis é seu último grande projeto fotográfico. Por que estabelecer o limite?

Digo que é o último projeto desse porte. Falo de projeto que leva anos para se concretizar, com viagens às vezes muito duras, desafios como o de andar 850 quilômetros até chegar a um determinado ponto. É preciso estar muito motivado e ter enorme disposição para encarar tudo isso. Não que eu vá parar de fotografar, mas encarar projetos nessa escala já pesa na minha idade. Tento me manter em forma, faço ginástica todos os dias, cruzo Paris de bicicleta, só que chega aquela hora em que o joelho começa a não querer obedecer. Como também vai chegar a hora em que vou preferir editar o meu material, talvez esse seja o trabalho mais importante que eu tenha pela frente. Sempre trabalhei muito, produzi um volume incrível de imagens. Tenho mais de 500 mil cópias de leitura, fora a imensidão de negativos que ainda não mexi. E uma imensidão de fotos paralelas.

Como assim?

Por exemplo, Lélia e eu começamos a editar nossas fotografias de família, material feito ao longo das nossas vidas, com nossos meninos crescendo. Então, penso um dia trabalhar no meu acervo, considerando que a idade vem chegando, que eu posso vir a me repetir e que os novos fotógrafos estão aí, vamos deixar lugar para eles. Tenho pensado nisso tudo. Inclusive na pertinência dos meus trabalhos. Falo de pertinência histórica, ideológica, pessoal. Hoje só faço aquilo com o qual tenho profunda identificação.

De que suporte financeiro você dispõe ao fazer um projeto das dimensões do Gênesis?

Temos o suporte de várias publicações: Rolling Stone, Paris Match, Guardian, La Republica, entre outras. Temos o apoio financeiro de duas fundações americanas, como também da Vale, nossa parceira de longa data. Agora mesmo vou passar dois meses na Geórgia do Sul e vem sendo montado um barco para essa reportagem, partindo das Malvinas. São viagens caras desde a fase da preparação. Quando comecei a propor projetos de três, cinco anos, os parceiros não entendiam bem. Hoje creio que ganhamos credibilidade. Quando falo para esses veículos que passarei oito anos fotografando e que, de tempos em tempos, eles terão minhas reportagens, ninguém duvida de que isso aconteça.

Depois de ter fotografado intensamente nestes últimos 36 anos, de propaganda de carro à vida dos garimpeiros, como é que você definiu o escopo do Gênesis? Por que buscar os lugares intocados do planeta?

A ideia do Gênesis nasce da experiência no Instituto Terra, uma reserva ambiental que começou a surgir no momento em recomprei as terras que foram da minha família, na região do Vale do Rio Doce. Ali passamos a lidar com o tema da biodiversidade, já optando pelo reflorestamento de uma área que estava bem degradada. As primeiras 500 mil mudas foram doadas pela Vale, com quem também nos associamos para fazer um programa de educação ambiental de longo alcance, o Terrinha. Lá na região, replantamos 1,5 milhão de árvores. Então, foi lidando com esse tipo de coisa que bateu a vontade de fotografar o planeta. Desenvolvemos um conceito, elaboramos o projeto fotográfico e fomos embora. Lélia e eu fizemos um sem-número de leituras, procuramos organizações ambientalistas pelo mundo. Por exemplo, grande parte da pesquisa foi feita nos arquivos da Conservation International, em Washington. Trabalhamos ainda com o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, em Nairóbi, e com a Unesco. Quando iniciei o projeto por Galápagos, em 2004, estava tudo planejado para os anos seguintes.

E por que Galápagos? Tem a ver com Darwin?

Exatamente. Eu tinha vontade de entendê-lo. Já havia lido a teoria da evolução das espécies, sobre a viagem do Beagle, mas lá em Galápagos, hoje um patrimônio da humanidade, fica muito mais fácil compreender Darwin. Porque é possível conferir, visualmente, como uma determinada espécie se desenvolve de maneira diferente de uma ilha para outra. Em Galápagos você tem um microcosmos que retrata o universo. Acabei ficando por lá mais tempo do que o próprio Darwin. Ele passou 47 dias lá, eu passei 90. Tive autorização da Fundação Charles Darwin e do Parque Nacional de Galápagos para visitar todas as ilhas do arquipélago.

O que você privilegia no Gênesis: o homem, o bicho ou a natureza?

Ainda é o homem. Se você imaginar que 30 a 40% do projeto são fotos de pessoas e que a natureza tem muito, muito mais espécies, então o humano prevalece. Fotografei agrupamentos que vivem, em relação ao planeta, naquele mesmo equilíbrio dos tempos primordiais. Este foi o meu critério, por isso desisti de fotografar comunidades esquimós no Alasca ao ver que vários grupos já caçam com rifle e há chefe esquimó que tem até avião particular.

Afinal, encontrou esse humano 100% "in natura"?

Há vários grupos assim. Os mentawai, que vivem na ilha de Sumatra, na Indonésia, ainda mantêm uma relação tão forte com a natureza a ponto de fazê-la "deus". É preciso pedir permissões à natureza o tempo todo. Quando fotografo essas pessoas, às vezes preciso isolá-las do contexto para fazer um bom retrato. Posso improvisar um estúdio na mata com folhas, ou tecidos, fundos relativamente neutros. Pois para fazer um estúdio precisei tirar algumas palhas das casas mentawai. Tivemos que pedir autorização "divina" e a resposta só veio depois que a comunidade leu o futuro nas tripas dos animais, como é a tradição. Daí uma cobra entrou na nossa casa e meu assistente teve que matá-la. Pronto, os mentawai não gostaram, porque seria um aviso de que as coisas não estavam indo bem. Eles atravessam hoje um estágio evolutivo interessantíssimo: estão agora domesticando plantas e animais. Trabalhei também com os chamados bushmen, de Botswana e da Namíbia, que vivem como há 50 mil anos. São coletores-caçadores.

Sempre viaja com intérpretes?

Sim. No caso dos Zo’e, no Pará, fui com uma estudiosa da língua deles.

Existe um estranhamento quando você trava o primeiro contato com um humano que vive num estágio evolutivo tão remoto e diverso do seu?

Não. Primeiro porque, mesmo que demore um certo tempo, acabo sendo aceito ali. Como com o grupo, durmo onde o grupo dorme, me desloco com ele, enfim, passo a fazer parte desse núcleo. As reações, a maior parte delas, são previsíveis, porque são humanas, ainda que não se entenda uma conversa feita na base de estalos de língua. Eu nunca vi relações tão amorosas com os filhos quanto em grupos coletores-caçadores. Nos Zo’e, por exemplo, não existe o conceito do "não" para pôr limites nas crianças. Um dia eu estava fotografando e o indiozinho não parava quieto, não me deixava em paz, pulava pra cá, pra lá, derrubava coisas... daí eu pedi à intérprete que falasse com a mãe dele. A intérprete hesitou, mas falou. E a mãe ficou desesperada, porque não sabia me atender naquilo que eu pedia. Entre estes índios, padrões de comportamento mais maduros e responsáveis se desenvolvem naturalmente, à medida que pessoas crescem e envelhecem.

Você mostra as fotos que faz dessas pessoas para elas próprias?

Para os Zo’e cheguei a mostrar no visor da máquina digital. Para outros grupos, não, e nem terei como mandar as fotos, pois são nômades. Os índios adoraram, pois, como em todos os grupos visitados, sem exceção, demonstram grande preocupação com a estética. As mulheres, todas, andam com um espelho. E a todo momento arrumam o cocar de penas de urubu branco.

Mas são índias com espelho?

A Funai deu para eles quatro instrumentos de branco: o espelho, do qual as mulheres não desgrudam, lanterna, facão e faquinha. O caso da lanterna é interessante: porque ela já vem com pilhas e a Funai só dá outras mediante a entrega das velhas. A lanterna foi de grande ajuda, pois havia muita picada de cobra em caçada noturna.

Você se refere ao seu trabalho como reportagem e fala das fotos como documentos. Qual é o limite entre a foto documental e a foto artística?

O que é artístico? Eis o problema. Recentemente vi uma exposição de arte africana em Barcelona, num belo museu. A maioria das obras era de uso cotidiano, cestas, jarros, ferramentas agrícolas, peças que são vendidas por milhares de euros. Vá conferir no Museu d’Orsay, em Paris, os salões dedicados à arte da África e da Oceania: 90% do que é exposto são utensílios de uso diário ou religioso. Hoje aumenta o número dos meus colecionadores, minhas fotos vêm ganhando preço no mercado de arte, mas não perco de vista o que faço. Como aquela foto da invasão do MST na Fazenda Giacometti, no Paraná, numa situação-limite, às 5 da madrugada, e eu ali, com um filme de 3200 ASA, quase sem luz para operar. Fiz um documento. Um dia o MST não terá mais força, ou desaparecerá, eu mesmo vou desaparecer, mas a fotografia permanecerá. Será referência da nossa sociedade, ganhando dimensão artística. Dizer que faço foto de arte, ah, isso não rola comigo. Porque sou repórter, tenho carteira de jornalista, nossa agência, a Amazonas Images, é de imprensa.

Como você mesmo diz, cresce o número dos seus colecionadores. Sebastião Salgado virou um clássico?

Estou me tornando. No Gênesis, pela primeira vez na vida admiti fazer fotografias com número limitado de reproduções. Porque sempre fotografei pessoas em suas situações de vida, jamais tive qualquer problema com direitos de uso de imagem e sempre distribuí minhas fotos em séries ilimitadas, o que reduz muito o preço delas. Agora quero lidar com número limitado de cópias, reproduções feitas em papel platinum, caras, porém maravilhosas. Creio que esse trabalho merece. Já fizemos algumas cópias e, no futuro, pretendemos lançar as séries limitadas. Aí, sim, será a estreia no mercado de arte.

Especialmente nas fotos de paisagem do Gênesis você parece mais formal, preocupado em mostrar texturas, realçar formas, captar nuances tonais.

Fui acusado de estetizar a miséria. E sabe por quê? Porque minhas fotografias sempre foram bem compostas. Sabe de onde vêm as texturas? Do filme de imprensa que sempre usei, o TRI-X, que dá grão. Quase só fotografo na contraluz e demorei a perceber isso. Um dia a Lélia montou uma exposição minha em Havana e um professor de uma escola de artes em Cuba veio visitá-la com os alunos. Eu o ouvi dizer a eles ‘este fotógrafo aqui só trabalha contra a luz’. Daí me toquei! Fazia aquilo instintivamente, sem me dar conta de que é na contraluz que se destacam os relevos, pois a zona de luz e sombra permite criar a noção de volume. Quando você me fala das paisagens que tenho feito, não significa que esteja procurando um estetismo na natureza. É que a natureza é profundamente estética.

Dê exemplos.

Fotografei os dois vulcões mais altos da placa euro-asiática, na península da Kamchatka, na Rússia, com mais de 4 mil metros de altura. Acordo de manhã, com aquelas nuvens fantásticas no céu, aquilo me deu a impressão de estar no fundo do mar enxergando o topo de uma montanha. Vi chuva de luz em Kamchatka, tal a beleza dos raios solares atravessando aquelas nuvens. Ora, não preciso ser esteta diante desse espetáculo. Procuro registrar os prístinos, locais no mundo onde poucos pisaram, então é natural que essas imagens nos provoquem sensações fortes. Como a foto que fiz de um iceberg na Antártica, que mais parecia um castelo medieval na Escócia, no entanto, trata-se de uma escultura mutante da natureza.

Mas você concorda que algumas dessas imagens beiram o abstrato?

Pode ser. A rigor, sou um esteta desde o início, porque não se esqueça de que a fotografia é uma linguagem formal: você tem um plano, tem um fundo, tem um sistema de linhas, é preciso organizar esse negócio. O bom fotógrafo é aquele que domina as suas variáveis.

Como é que você ‘ataca’ a cena? Porque as variáveis também são externas: por exemplo, nuvens dançam no céu. As patas dos animais movem-se pelas matas.

São tempos internos distintos. Dou como exemplo a foto que fiz da mão da iguana. Eu vi aquela pata, que é uma mão na verdade, com cinco dedos e tudo. E quis fotografá-la, mas teria de ser com uma lente macro, bem de perto, para captar o detalhe. A iguana como que autorizou a foto, porque, normalmente, é bicho que não aceita aproximação a menos de 2 metros. Tive que ir me chegando, de joelhos, com delicadeza: ela me observava, eu a observava; eu avançava um pouco mais, ela sabia que alguma coisa estranha iria acontecer, mas aceitava; daí finalmente fiquei bem perto daquela mão e fiz a foto. Aí fui recuando, rastejando para trás, bem devagar. E ela me observava. Quando uma foto como esta é finalmente feita, o cansaço que bate é total. Porque, ali, o fotógrafo sabe que tem a possibilidade de fazer uma fotografia incrível, mas, numa fração de segundos, poderá perdê-la. Ou não. São extenuantes essas situações.

É o "momento decisivo" de Cartier-Bresson?

Sim e não. Esse conceito é parcialmente válido para mim, porque trabalho noutra realidade. O conceito de "momento decisivo" em Cartier-Bresson é de corte representativo: só existe aquele momento, o antes não é bom, e o depois, também não. Para mim isso não é verdade. Penso num fenômeno fotográfico feito de aproximações e ajustes, um fenômeno em evolução, com envolvimento das pessoas, dos lugares, com muitas conexões, enfim.

Quando você olha suas fotos de publicidade reconhece nelas o mesmo Sebastião Salgado do Gênesis?

Claro. Nunca fiz foto de publicidade que eu não me sentisse realmente motivado a fazê-la. Isso vale também para meus tempos nas agências Gamma, Sigma, Magnum. Quando inauguraram o aeroporto de Malpensa, em Milão, fui contratado para fazer fotos de promoção do lugar, mal aceito pela população do norte da Itália. Seriam fotos para estampar pôsteres distribuídos pelo país. Adorei a encomenda, não só porque me pagaram uma fortuna, mas porque eu tive a oportunidade de conhecer o que cerca e envolve um aeroporto. E saí fotografando. Descobri uma "cidade" que emprega 15 mil pessoas. Tem de tudo lá: do pessoal da limpeza bruta ao pessoal dos ajustes mais finos. Vi as famílias desembarcando, o encontro dos parentes, fabulosas histórias de vida. Descobri um grupo de aposentados, fanáticos por avião, que passa os dias controlando o tráfego aéreo das cercas de arame que circundam Malpensa. Propus aos meus clientes que fizessem um livro com aquele material. E toparam. Foi uma experiência genial.

Como você se sente quando dizem que só faz fotografia engajada?

Isso é um comentário limitador. Não sou um fotógrafo militante, embora me engaje profundamente naquilo que eu faço, quase como forma de vida. O que é muito diferente. Tenho minha ideologia, que pode ou não ser aceita, e fotografo tudo, da natureza ao carro da montadora, com a mesma doação pessoal.

Como é fotografar gente célebre?

Fiz e ainda faço isso. São momentos especiais. Porque peço sempre um tempo maior para fazer portraits, não aceito correrias. Como no caso do retrato do Bill Clinton para a Vogue americana. Pedi uma semana com ele, se não fosse assim, nada feito. Muitas vezes fiquei amigo dos fotografados. Como no caso do Italo Calvino. O New York Times pediu um retrato dele, viajei até Roma, me instalei num hotel e fui para a casa do escritor. Apertei a campainha, Italo veio até a porta e perguntou se eu era o fotógrafo do Times. Daí indagou quanto tempo eu precisaria para o serviço, já dizendo que uma hora estaria de bom tamanho. Eu expliquei: "Não, preciso de três dias." Ele reagiu de pronto, disse que jamais daria três dias da vida dele para mim ou para o Times. E eu rebati, então não dá para fazer. Estávamos nessa discussão quando chegou a mulher dele, uma argentina decidida, e botou ordem no pedaço. Não só ordenou ao Italo que ficasse à minha disposição o tempo que fosse preciso, como ordenou que eu me mudasse para a casa deles. Fotografei-o em casa, pelas ruas de Roma, fui para a casa deles em Paris, assim nasceu uma amizade que durou a vida inteira do Italo. Retrato precisa de tempo. E quem me pede para fazer um já sabe disso.

E a sua fidelidade ao preto e branco? Justamente por andar pelo mundo fotografando paraísos, muita gente lhe cobra a foto em cor.

Preto e branco é o que sei fazer. E não sou o único. Tem uma porção de fotógrafos que continuam fiéis a isso. Vou citar apenas um: o Cristiano Mascaro, que é um megafotógrafo, só produz em preto e branco. Não sei fazer o que ele faz, mas tanto ele quanto eu nos identificamos com essa abstração. No P&B aprendi a lidar com densidade, a controlar a revelação, a fazer minhas reproduções e mesmo hoje, já inteiramente adaptado à tecnologia digital, sigo no mesmo caminho. Tanto que programo a máquina digital de tal forma que, através dela, só vejo em preto e branco. O descarte da cor se dá logo no início. Passei a minha vida aperfeiçoando, não vou abandonar isso agora.

No entanto, você fez a passagem da máquina analógica para a digital com tranquilidade.

Só mudei o suporte, porque o processo continua rigorosamente o mesmo. Trabalhei quase toda a minha vida com Leica, depois, como precisava de negativos maiores, passei para Pentax. E agora fotografo com Canon. Mas, digitais ou analógicas, as máquinas são as mesmas, como as lentes também.

Por que diz que o processo não mudou?

Explico: fotografo em digital, daí tenho dois assistentes que descarregam os cartões lá em Paris e preparam para mim os contatos. Só então começo a seleção de imagens, porque não sei vê-las em computador, necessito ter os contatos e os meus, sinceramente, são lindos. Bom, edito os contatos, tenho um assistente só para fazer as cópias de leitura, e daí entram outros dois assistentes, responsáveis pelas cópias finais. Sobre essas cópias fazemos negativos, pois se por acaso perder imagens no armazenamento digital, tenho lá meus negativos muito bem guardados.

A tecnologia da imagem poderá um dia subjugar o olhar do fotógrafo?

Não creio, principalmente num trabalho como o meu, que é jornalístico e depende da iniciativa pessoal. Só faz fotografia documental quem tem aquela "vontade de ir". Isso é fundamental. O resto são as tais variáveis que devemos aprender a dominar. Muitas vezes acordo de pesadelos em minha casa, em Paris, sem saber onde estou. Isso me dá aflição. Mas quando me encontro num canto remoto do mundo, a sensação que tenho é a de saber exatamente onde estou.

E a manipulação de imagem, hoje tão mais fácil, tão mais imperceptível e tão mais incontrolável no mundo digital? Isso é um pesadelo para você?

Mais ou menos grosseiras, manipulações de imagem sempre existiram, por que vou me preocupar com isso? A verdade do fotógrafo é aquela fração de segundo. Se fizerem manipulação sobre isso, então não estaremos mais falando de fotografia. Daí nem me compete opinar.

Blogs do Além

A revista Carta Capital possui uma seção interessante em sua edição online: Blog's do Além. Confiram: http://www.blogsdoalem.com.br/

Dica: Blog do "Figa", vulgo João Figueiredo, ex-presidente do Brasil.

10 de set. de 2009

Um novo (re)início

Migrando do Live Spaces para o Blogspot, estou aqui para publicar algo que interessa (a mim?) à discussão... qualquer tema é válido. Porém reconheço que preocupo-me suficientemente com a história de nosso país (e do resto do mundo)...

Vou inserir links para trabalhos que publiquei também, pois não porque não aproveitar a internet como meio de divulgação, haja vista a dificuldade de textos e o conhecimento em si chegaram até o público leigo comum.



Acima, um texto publicado nos Anais do Encontro da ANPUH-SP de 2008, realizado em São Paulo, na FFLCH/USP. Comentários são bem-vindos... É só clicar na figura.