27 de nov. de 2009

A África também é aqui

By Redação Carta na Escola

Para Ana Lúcia Silva Souza, a história da África já está dentro da sala de aula, nas músicas, nas linguagens. Faltam, agora, material adequado e professores mais bem preparados

Passados seis anos desde a aprovação da lei que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira no currículo­ oficial das escolas de nível fundamental e médio, ainda são grandes as limitações na formação de professores, gestores e outros profissionais da educação e na oferta de material didático. Assim, o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil e a cultura negra brasileira ainda não chegaram a grande parte das escolas públicas e privadas. Nesta entrevista a Lívia Perozim, a socióloga Ana Lúcia Silva Souza, pesquisadora de práticas de letramento juvenis no movimento hip-hop e consultora de projetos na organização não-governamental Ação Educativa, explica como professores de diferentes áreas podem abordar o tema em sala de aula, focando, com uma visão menos eurocêntrica e antirracista da história, a integração dos povos africanos no Brasil, no passado e no presente.

Carta na Escola: A introdução do ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo é uma conquista do movimento negro ou da sociedade em geral?
Ana Lúcia Souza: É uma conquista para a sociedade começar a discutir essa questão. Inegavelmente, essa conquista é fruto de 400 anos de lutas, reivindicações de grupos e movimentos sociais. Todo esse caldo deságua agora em preposições e pressões para que a Lei 10639/03 e outras medidas de ações afirmativas sejam implementadas pelo Estado brasileiro.

CE: O que se agregará ao ensino da história do Brasil?
ALS: Agregará história. Não dá para você pensar na história do Brasil sem pensar na africana e na afro-brasileira. Nós estamos falando de uma mudança na LDB (Lei de Diretrizes Base da Educação Nacional): vamos pensar que os livros didáticos trarão diversos momentos e aspectos de história e cultura afro-brasileira dentro da história do Brasil e não separados dela. Vamos pensar que vamos ter, também, livros específicos de historia da África e da África no Brasil, de outros tempos e de hoje. A partir do momento em que a lei existe, muda a discussão sobre formação e currículo. Está na LDB. Todos os envolvidos com educação terão de estudar a temática para sermos profissionais mais autônomos, assumindo um compromisso com uma educação antirracista no cotidiano.

CE: O que o professor precisará conhecer sobre a história da África?
ALS: Eu sou da área de sociologia e me interessa pensar que a história e a cultura da África estão dentro da sala de aula, nas roupas, nas músicas, nas linguagens. Como é que a gente entende essas estatísticas de mortalidade juvenil negra? A própria mídia já diz: nós sabemos quem morre, onde, a idade, a cor, o sexo. Isso é entender os conflitos, os baixos índices de aproveitamento. As avaliações educacionais denunciam: a população negra avança tanto quanto a população branca em termos de aumento dos anos de escolaridade. Mas ainda há um hiato, uma herança. Todos os índices de educação infantil, fundamental, ensino médio e superior são desfavoráveis à população negra. Não estamos falando de conteúdos pontuais para explicar o racismo, a discriminação e o preconceito. Falamos de reeducação das relações raciais na e para a vida. O trabalho do professor estará quando for selecionar uma imagem ou uma música. É aí que precisamos aprender a potencializar o que alguns professores já sabem fazer, e muitas escolas ainda não.

CE: A senhora poderia explicar melhor esse conceito de cultura afro-brasileira: existe uma cultura brasileira separada da afro-brasileira?
ALS: Existe uma cultura afro-brasileira, singular, que é parte desse processo histórico de construção da cultura brasileira. Um exemplo: é comum ouvir que as famílias pobres e negras são desestruturadas. Isso porque estamos pensando em uma estrutura familiar que vem de uma concepção europeia. Nos arranjos advindos dessas organizações africanas, temos famílias estendidas: pai, mãe, tio. As famílias chegavam estilhaçadas aqui e formavam outros agrupamentos. Isso quer dizer que nesse arranjo familiar você tem a cosmologia africana, os ritos, as formas de rezar, de comer, de cultuar a vida. E isso é processo de uma cultura que se arranja dentro e com outras culturas.

CE: Que aspectos dessa cultura afro-brasileira estão presentes no dia a dia?
ALS: Precisamos desconstruir essa ideia de querer mostrar o que é “contribuição” dos negros na cultura e abordar de maneira crítica, é participação, é influência. A cultura africana influenciou na língua. Como? Se pegarmos algumas palavras que estão relacionadas à alimentação, vamos escolher aquelas que dizem respeito à sobrevivência dessa africanidade. Na comida: abará, acaçá, acarajé, quiabo e inhame estão ligadas à religiosidade de matriz africana. Fica o que significa? Fica o que faz parte da vida das pessoas, circulou no cotidiano e foi recriado. Por que ficam essas palavras e não outras? Isso significa uma forma de resistência dentro desse cotidiano. Outra coisa é essa musicalidade, que é uma maneira, muitas vezes cifrada, de lutar por meio da linguagem. Isso nos obriga a repensar como a gente olha para o axé, o samba, o hip-hop. Minha tese é sobre a linguagem do hip-hop. É através dela que os meninos ensinam o que eles gostam, querem, o que faz sentido para eles. A sala de aula é um lugar de múltiplas identidades.

CE: A participação dos escravos negros em revoltas, como a Balaiada, no Maranhão, a revolta dos Malês, na Bahia, é pouco explorada em sala de aula ou foram levantes de menor importância?
ALS: Tivemos um projeto político, que passa pela escola, de construção de uma nação que trabalhou muito para embranquecer a história Os materiais didáticos fazem parte desse projeto. Aumentam o espaço, mas não mudam a abordagem, que precisa, necessariamente, ser mais crítica.

CE: Isso está mudando? Já há uma produção maior de livros didáticos sobre a história da África e dos africanos no Brasil?
ALS: A história começa a ser recontada. Há novos materiais, mas ainda com pouca circulação e baixa escala. Há algumas editoras especializadas e estudiosos do tema cujo foco são materiais de referência para o professor, mas ainda não são materiais didáticos. O Programa Nacional do Livro Didático do MEC tem a tarefa de incorporar essa discussão para todas as áreas. Se na sala de aula o livro didático ainda é soberano, temos de fortalecê-lo.

CE: Já existem boas fontes de pesquisa para professores nessa área?
ALS: Sim, existem. Há que se procurar.­ Talvez a área do ensino médio esteja mais enfraquecida nesse sentido e tenha a menor quantidade de livros didáticos.

CE: Episódios que envolveram quilombos serão mais abordados nos materiais?
ALS: Eles têm de abordar. Ou então a gente está brincando de fazer política pública. Precisamos colocar em evidência os mecanismos de pressão e monitoramento do Estado.

CE: O Quilombo dos Palmares opôs a mais longa e forte resistência ao poder colonial. Qual era a estratégia dos líderes para enfrentar as forças do governo?
ALS: Sabe-se hoje que eles tinham em Palmares barricada, trincheira, oficinas, conselhos deliberativos, plantações. Toda uma história que conhecemos pouco. Era uma organização intencional, um conglomerado. Zumbi nasceu em Palmares, foi sequestrado de lá e entregue a um padre. Alfabetizado, ele volta para Palmares aos 15 anos e troca de nome. De Palmares ele volta para Palmares. Quantas dezenas de revoltas eles resistiram até cair?

CE: Os professores estão preparados para aplicar esse conteúdo? Se não, quanto tempo levará para que se forme esse quadro docente?
ALS: Os professores não estão preparados, mas, de qualquer forma, a formação inicial e continuada de professores é fundamental. Para além das ações individuais, é política pública, como as que estão no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. O trabalho em torno da lei é coletivo e diz respeito a diversos atores e instâncias sociais e políticas. Para além da sala de aula , precisamos saber a quantas andam as verbas, as instâncias de gestão e de participação.

12 de nov. de 2009

Sem carne, sem osso (da Carta Capital online)

Love robot, é uma das telas expostas na mostra Venus Robotica: sex-robot sur catalogue, em Paris. A boneca, obra de uma artista que assina June-1, é um dos quinze trabalhos de várias tendências artísticas cuja missão é inspirar designers a construir as robôs humanoides mais sedutoras do futuro. Thierry Ruby, o diretor do Cabinet des Curieux, onde Venus Robotica acontece até o fim de dezembro, lança: “O tema é atual”. Atualíssimo.

Segundo o britânico David Levy, campeão internacional de xadrez, expert em inteligência artificial e autor do best seller Love + Sex With Robots (Harper Perennial, 2007, 334 págs., US$ 14,95), atualmente não é sequer possível imaginar os avanços que serão realizados nos próximos três anos nas (e nos) robôs humanoides. No seu best seller, Levy sustenta que até 2050 será normal alguém ter uma relação íntima com um robô. Mais: será comum uma pessoa se apaixonar por um(a) robô humanoide – e se casar com ele(a). E ter ciúmes da ou do robô humanoide.

Os japoneses estão na vanguarda dessa nova onda de produção de robôs humanoides, os futuros membros de uma sociedade nipônica semelhantes ao mundo futurista criado por Ridley Scott no filme cult Blade Runner, o Caçador de Androides. Os motivos são dois. Primeiro: ao contrário dos inventores franceses de outrora, os nipônicos entenderam há dois séculos que, explica Levy, “os autômatos são mais atraentes se apresentados à guisa dos humanos”.

Dito de outra forma, a interação com um robô fisicamente semelhante a um ser humano seria mais fácil do que aquela entre uma pessoa – e, digamos, um extraterrestre. E aqui vale acrescentar: no Japão, quando algo toma o aspecto de uma pessoa, esse objeto pode, potencialmente, passar a possuir um espírito, ou um tamashii. O segundo motivo pelo qual os japoneses estão na vanguarda da produção de robôs humanoides é demográfico. Num país com uma população que envelhece em alta velocidade, cientistas nipônicos de todas as áreas resolveram unir forças para substituir a mão de obra humana pela robótica. Além do apego à ciência, pode-se detectar uma ponta de protecionismo racial na decisão.

E assim os japoneses construíram robôs para trabalhar nas linhas de montagem de fábricas. E, por serem tão fiéis a seres vivos nos seus projetos, os cientistas japoneses por vezes chegaram, através de seus rebentos, a comover. Por exemplo, o cachorrinho-robô Aibo, da Sony, é, segundo pesquisas, tão adorado quanto cachorros normais. Certamente, os robôs-enfermeiros capazes de ajudar os mais velhos também terão, graças à sua aparência física e inteligência artificial, um lado humano. Este, diga-se, é um projeto da Toyota para 2010. Parece que esses enfermeiros servirão chá.

E se forem enfermeiras?

Quem sabe poderia ser uma sedutora robô e, no caso, versada em poesia, regras da etiqueta e entretenimento de senhores das cortes. Em suma, uma gueixa, como nos velhos tempos. E eis uma pertinente questão: ela, robô-gueixa, poderia satisfazer os desejos sexuais de certos senhores idosos, ou até menos idosos? Esta é uma área -–-- --particularmente- nos caso das ainda existentes gueixas – na qual os próprios japoneses parecem titubear. Gueixas se prestavam ou não a atos sexuais? Sabe-se que flertavam, e flertam. E o flerte em si, e a incerteza de uma relação mais íntima, parecia ser suficiente para excitar (não se sabe ao certo de que forma) numerosos japoneses.

Aparentemente, no século XVI as gueixas pintavam e bordavam no quesito sexual. Em plena Segunda Guerra Mundial, as gueixas deitaram e rolaram com marines atrás de biombos, donde sua atual reputação no Ocidente. Mas, independentemente da reputação no passado, e no futuro das ainda existentes gueixas, tudo leva a crer que as robôs nipônicas são no mínimo servis. Mas até que ponto elas seriam atraentes como uma verdadeira gueixa?

Vejamos. A Love Robot, na mostra Venus Robotica, não pode ser considerada desejável. June-1 fez um interessante trabalho artístico, mesclando o fantástico com o surrealista, com uma pincelada de gótico. Mas, na vida real, a mão esquerda da boneca está separada do antebraço por fios. Isso não seria preocupante antes do ato sexual? Os joelhos, para piorar o quadro, parecem desconjuntados do corpo. E, contudo, como concorda o próprio dono da galeria Thierry Ruby, “Love Robot é a boneca que mais se aproxima das atuais”.

A Actroid DER2, desenvolvida na Universidade de Osaka e produzida pela Kokoro, foi lançada em 2006 com algum sucesso. Não se trata de uma boneca concebida para o sexo, mas a associação é inevitável. Motivo: todas são apresentadas em shows, desfiles, etc. E são, em tese, mulheres. Produzidas desde 2003, as atuais Actroids podem ser visualizadas no YouTube. Elas têm pele de silicone e codividem pelo menos algumas semelhanças com mulheres. Graças aos seus pontos de articulação (47), respiram, piscam. E sua inteligência artificial lhes permite responder às perguntas (fáceis) feitas pelos curiosos.

Em março deste ano, a HRP-4C, a robô humanoide criada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada, foi apresentada em Tóquio. Ela seria uma robô-manequim, e poderia, sempre no campo hipotético, desfilar como Kate Moss. A HRP-4C teria, porém, formas da mulher -média no Japão, o que as deixa vários centímetros abaixo de uma modelo como a própria Kate. Pior: HRP-4C mede apenas 1,58 metro e pesa 43 quilos, incluindo a bateria. Ou seja, ela é baixa, para os parâmetros de uma modelo, e é gordinha. Ou seja, precisaria fazer um regime à base de proteínas.

HRP-4C caminha, o que ajuda no regime. Mas em Paris, a despeito de altura e peso, não permitiram que desfilasse. Quando anda, os joelhos da HRP-4C parecem ter molas, e assim a cadência da robô humanoide deixa a impressão de que ela preferiria se sentar. Ou será que não sabe usar saltos? De todo modo, está longe de ser sexy como a sempre citável Kate Moss. Contudo, a camada de silicone no rosto da robô chama atenção, dada a harmonia das feições. HRP-4C expressa surpresa, raiva. E sorri. Graças a sistemas de reconhecimento de fala, a robô se comunica. “Hello, everybody”, diz ela, sorriso nos lábios. A modelo-robô é, contudo, cara: o equivalente a 470 mil reais.

Muito mais barata e imensamente mais interessante é Aiko – e seu parceiro/inventor. Ele responde por Le Trung, um japonês de 33 anos que imigrou para o Canadá, aos tenros 8 anos. Trung é o clássico nerd. Com três diplomas universitários – química analítica, bioquímica e ciências gerais –, ele diz, no seu website, que tinha um sonho de garoto japonês: criar um robô. Assim, criou Aiko (“a amada”, em japonês).

O projeto começou em meados de 2007, quando Trung estava desempregado. Até agora, Trung, sem nenhum apoio, teve de desembolsar 20 mil dólares. Mas Aiko já desempenha várias funções. Ela pode ser desenvolvida para ser a mulher perfeita, pelo menos no parecer de Trung. De forma patética, ele pede doações para seu Projeto Aiko da seguinte forma: “Por favor, ajude um menino a realizar seu sonho”. Menino?

De qualquer forma, o resultado Aiko (veja no YouTube) é impressionante. Ainda mais quando se considera que seu autor é um cientista independente. Aiko possui, ou pode possuir, inúmeras competências, mas elas não são claras. Motivo: o site de Trung não é transparente sobre o que a robô já faz, embora o seja naquilo que não faz.

À parte os clips no YouTube, as fontes para esta reportagem sobre Aiko podem ser questionáveis. Por exemplo, artigos sensacionalistas de diários das ilhas britânicas elaboram sobre os jantares em restaurantes de Aiko e Trung (Aiko, contudo, não pode comer). Outros diários como o Daily Mail, também britânico, sustentam que Trung é um nerd tão ocupado que teve de “construir a namorada perfeita”. Parece, de fato, ser o caso.

CartaCapital tentou se aproximar de Le Trung para saber o que Aiko realmente é capaz de fazer hoje, e o que fará no futuro. Ele não respondeu, quem sabe por causa de algumas perguntas sobre suas eventuais relações sexuais com Aiko. Ele não poderia se apaixonar por ela?

No site de Trung, www.projectaiko.com, aprendemos que ele é, apesar de cientista, um tanto nostálgico. Trung jamais substituiria uma amiguinha sua que deixou no Japão, aos, vale lembrar, 8 anos, pela Aiko.

Também aprendemos que Trung, talvez por ter vivido tanto tempo no Canadá, deixou de acreditar, a despeito da mentalidade- de seus contemporâneos, que é possível transferir emoções ou um verdadeiro espírito para sua Aiko. A robô androide parece uma mulher e é dotada de inteligência artificial. Poderia passar a ter um espírito ou um tamashii?

Indagamos a Trung, por e-mail, que precederia uma entrevista telefônica (essa era nossa intenção) por que Aiko não poderia substituir sua pré-adolescente amada. Trung, vimos, fecha-se em copas. Protege sua intimidade. É possível que Aiko seja capaz de ler e enviar e-mails, de sorte que teria partido dela a decisão de vetar respostas a uma revista brasileira, talvez tão tendenciosa quanto os sensacionalistas diários britânicos.
Fiquemos, portanto, com o que nos diz a respeito de Aiko seu criador, Trung, no seu website oficial. Ela pode ser recepcionista. É capaz de usar a -internet, ler jornais e fazer relatórios. Nos aeroportos, ela detecta 250 fisionomias por segundo e, por tabela, poderia colaborar para os serviços de segurança. Aiko habilita-se, ainda, a dizer a que horas e de que portão parte um avião com absoluta precisão. Em casa, ela pode cuidar de crianças e de idosos.

E é, parece, grande companheira. No seu website, Trung nos garante que ela teria 20 e poucos anos. Aparenta, contudo, uns 12, se muito. Um problema que, no jargão de David Levy, o autor de Love + Sex With Robots, talvez terá de ser resolvido pela chamada “psicologia robótica” e, mais especificamente, por “robo-psicólogos” como Alexander e Elena Libin, especialistas no assunto da Universidade de Georgetown. Resumindo, estaríamos falando em pedofilia com robôs.

É possível que Trung, neste nosso mundo do politicamente correto, esteja abusando de uma robô adolescente. E assim poderá ter de lidar com a Justiça do futuro. Em I, Robot (1951), o escritor de ficção científica Isaac Asimov foi claro ao estabelecer as três leis da robótica. De todas elas sobressai-se um valor: robôs têm direitos. Trung parece desconhecê-los. Talvez ainda influenciado pelas suas leituras, ou conhecimentos mais aprofundados sobre gueixas, diz que ao aprimorar Aiko ela poderá ter vantagens como, entre outras:
1. Preparar café ou chá.
2. Servir sushi na boca.
3. Preparar ovos pela manhã.
4. Fazer massagem nas suas costas e no pescoço.
5. Limpar as janelas.
6. Limpar a privada...
Enfim, Trung parece, talvez, precisar de uma gueixa do século XVI, não de uma mulher do século XXI. Mas Trung tem relações sexuais com Aiko? Não, segundo o site da CTV News, de Ontário, Canadá.

E graças ao site da CTV News veio à tona o seguinte: Aiko tem sensíveis seios e vagina, graças a um sistema sensorial instalado pelo próprio Trung. Mas, ao formatá-la, ele se descuidou. Programas pornográficos da internet influenciaram o sistema de Aiko e, por tabela, seu vocabulário pode ser bastante liberal. Ou seja, a jovem robô fala sobre sexo como uma desbocada aluna de liceu de uma escola pública parisiense.

O enigmático criador diz que construiu Aiko como mulher porque uma androide seria menos ameaçadora do que um macho. Ao Daily Mail, Trung disse ter sofrido uma parada cardíaca e que Aiko seria uma excelente enfermeira para ele. Será que a gueixa caseira é mais enfermeira do que sex doll para o nosso Trung? Assim parece.

No entanto, para aqueles mais ligados ao sexo, honeydolls, produzidas no Japão (www.honeydolls.jp/en/gallery.html) seriam a resposta. São seis moçoilas nas quais a tecnologia robótica de ponta japonesa funciona em pleno vigor para o mercado do sexo. Entre elas, a empresa diz que Aki e Saori fazem felação. Elas têm 1,56 metro e todas as seis têm quadris e pernas rotativas. Algumas, ao toque no seio, gemem. Murmuram frases no ouvido do parceiro. Em suma, são concebidas com base na demanda do mercado japonês. Mas, dada sua qualidade, são exportadas mundo afora no prazo de 10 a 30 dias. Os preços variam, dependendo das exigências.

Robôs sexuais são compradas, diz David Levy, pelos mesmos motivos que uma prostituta satisfará as exigências de um homem, ou mulher. Com a vantagem da certeza de não haver complicações posteriores. Um robô poderá satisfazer práticas não adotadas na vida comum de um casal. Por exemplo, a mulher poderá usar o vibrador de um robô mais longamente do que ocorre no cotidiano. Como o do robô Gigolo Joe, encarnado por Jude Law no filme Artificial Intelligence, de Steven Spielberg.

Não faltam versões contrárias. Para Luc Arasse (www.arasse.net/), artista de vanguarda francês de 42 anos que esteve em Tóquio para filmar androides, sexo com robôs é pura fantasia. Por ora, pelo menos. No entanto, a busca de Arasse teve razão de ser. “Meu objetivo era fazer um arquivo sobre ‘máquinas sentimentais’”, disse-me ele. Ou seja, Arasse queria entender esses robôs que são feitos para nos amar. Um tema bastante interessante para um artista com uma forte base em sólidas universidades de Ciências Políticas e grande curiosidade intelectual em nível global.

“’Faz muito tempo, desde 1900, que essas robôs ou bonecas existiam, e eram e são feitas para ser amadas”, diz Arasse. Mas o que o interessava são as novas, capazes de dialogar e de interagir. “Ou, pelo menos, de adaptar seu comportamento ao meio ambiente”, diz Arasse. E isso, claro, implicaria um lado afetivo, por parte das bonecas ou bonecos. Nesse contexto, robôs teriam a capacidade de aprender.

A meta de Arasse era saber como os cientistas veem o comportamento desses robôs no futuro. Ao mesmo tempo, o artista queria entender por que eles dão esta ou aquela face, voz, etc. a um robô. Indaga Arasse: “Qual seria – e qual a base – para os cientistas produzirem um robô ‘quase humano’?” Sim, ele concorda que atravessamos um período de transição. “Aprenderemos a viver com eles e os acolheremos.” Contudo, ao filmá-las, Arasse percebeu que essas máquinas “decepcionam”. Diz: “Não senti nenhuma humanidade nos androides, apenas mecanismos aperfeiçoados”.

Atualmente, claro, em Tóquio, o mercado é de robôs que oferecem sexo. Bordéis de robôs. Como diz Levy, o mercado livre define futuras tendências. Se no momento o sexo na internet vale 12 bilhões de dólares, adivinha-se na área de robôs de sexo. No Japão, onde as gueixas estão desaparecendo, por uma questão de tradição, essa mutação poderia ser normal. E no Ocidente? Levy sustenta que robôs sexuais marcarão o fim da prostituição, a mais velha das profissões. Mas e o romance? Deckard, o detetive de Blade Runner, não se apaixonou pela replicante Rachael? Consta, contudo, que Deckard também era um replicante.

6 de nov. de 2009

O projeto Brasil e Estados Unidos: Expandindo Fronteiras, Comparando Culturas


Boa notícias a pesquisadores e interessados em geral...

Sobre o Projeto LINK

O projeto Brasil e Estados Unidos: Expandindo Fronteiras, Comparando Culturas explora a história do Brasil, as interações entre o Brasil e Estados Unidos desde o século XVIII até os dias de hoje, além de contrastar e traçar um paralelo entre a cultura e história brasileiras e americanas. O projeto é fruto de uma cooperação entre a Fundação Biblioteca Nacional e a Biblioteca do Congresso.

Utilizando a apresentação na forma digital de livros, mapas, gravuras e fotografias, manuscritos e outros documentos das coleções das duas bibliotecas parceiras, este projeto aborda cinco temas relacionados com a história do Brasil e interações entre Estados Unidos e Brasil: Fundamentos Históricos, Diversidade Étnica, Cultura e Literatura, Impressões Mútuas, e Biodiversidade. Fundamentos Históricos foi lançado em dezembro de 2003, as demais seções estão em andamento.

O projeto Brasil e Estados Unidos: Expandindo Fronteiras, Comparando Culturas faz parte de um projeto da Biblioteca do Congresso intitulado Global Gateway (Portal Global), uma iniciativa de construção de bibliotecas digitais em parceria com bibliotecas nacionais de vários países do mundo. O site da Fundação Biblioteca Nacional, parceira da Biblioteca do Congresso neste projeto, pode ser localizado no seguinte endereço: http://www.bn.br.


29 de out. de 2009

Coleção de citações 1

Irei inserir aqui algumas citações que julgo interessantes... elas advém de diversos autores, das mais diversas tendências...

Seria interessante que os prováveis leitores comentassem.

O Bom Escritor Todos os bons livros assemelham-se no facto de serem mais verdadeiros do que se tivessem acontecido realmente, e que, terminada a leitura de um deles, sentimos que tudo aquilo nos aconteceu mesmo, que agora nos pertencem o bem e o mal, o êxtase, o remorso e a mágoa, as pessoas e os lugares e o tempo que fez. Se conseguires dar essa sensação às pessoas, então és um bom escritor.

Ernest Hemingway, in 'Escrito de um Velho Jornalista (Esquire, 1934)'


Ignorância Sábia Aconteceu aos verdadeiros sábios o que se verifica com as espigas de trigo, que se erguem orgulhosamente enquanto vazias e, quando se enchem e amadurece o grão, se inclinam e dobram humildemente. Assim esses homens, depois de tudo terem experimentado, sondado e nada haverem encontrado nesse amontoado considerável de coisas tão diversas, renunciaram à sua presunção e reconheceram a sua insignificância. (...) Quando perguntaram ao homem mais sábio que já existiu o que ele sabia, ele respondeu que a única coisa que sabia era que nada sabia. A sua resposta confirma o que se diz, ou seja, que a mais vasta parcela do que sabemos é menor que a mais diminuta parcela do que ignoramos. Em outras palavras, aquilo que pensamos saber é parte — e parte ínfima — da nossa ignorância.

Michel de Montaigne, in 'Ensaios'

O Livre Arbítrio Um homem é dotado de livre arbítrio e de três maneiras: em primeiro lugar, era livre quando quis esta vida; agora não pode evidentemente rescindi-la, pois ele não é o que a queria outrora, excepto na medida em que completa a sua vontade de outrora, vivendo.
Em segundo lugar, é livre pelo facto de poder escolher o caminho desta vida e a maneira de o percorrer.
Em terceiro lugar, é livre pelo facto de na qualidade daquele que vier a ser de novo um dia, ter a vontade de se deixar ir custe o que custar através da vida e de chegar assim a ele próprio e isso por um caminho que pode sem dúvida escolher, mas que, em todo o caso, forma um labirinto tão complicado que toca nos menores recantos desta vida.
São esses os tês aspectos do livre arbítrio que, por se oferecerem todos ao mesmo tempo formam apenas um e de tal modo que não há lugar para um arbítrio, quer seja livre ou servo.

Franz Kafka, in "Meditações"

28 de out. de 2009

Biógrafo diz acreditar que García Márquez não vai publicar mais livros

da France Presse, na Cidade do México

Gerald Martin, o homem que passou os últimos 18 anos dedicado à literatura de Gabriel García Márquez, declarou acreditar que a obra do Prêmio Nobel colombiano chegou a seu ponto final.

"Ele disse que passa o tempo todo escrevendo, mas se me perguntam se ele vai fazer coisas novas, eu digo que acho que não", afirmou em entrevista à France Presse o autor da biografia "Gabriel García Márquez - Uma Vida", lançada esta semana no México.

O crítico britânico não descarta, no entanto, que sejam publicadas coisas que as pessoas já conhecem, como o conto "Em Agosto Nos Vemos". "Mas ele não vai escrever muito mais coisas", acrescentou.


Gregory Bull/AP
O britânico Gerald Martin disse acreditar que obra de Gabriel García Márquez chegou ao fim
O britânico Gerald Martin disse acreditar que obra de Gabriel García Márquez (foto) chegou ao fim

Ante o silêncio público do escritor colombiano, a imprensa transformou este especialista em literatura latinoamericana e catedrático da Universidade de Pittsburgh numa espécie de seu porta-voz oficioso.

Sua associação com o escritor se justifica por seu monumental estudo do autor de "Cem Anos de Solidão", a quem dedicou um terço de sua vida através de 300 entrevistas realizadas e 3.000 páginas escritas.

"Desde que li a primeira página de "Cem Anos de Solidão", soube que o mundo havia mudado", declarou Martin ao apresentar a "biografia tolerada" por Márquez na capital mexicana.

24 de out. de 2009

Agenda: Concurso para professor na Universidade da Fronteira Sul

Sexta-feira, 23 de outubro de 2009 - 18:57
Estão abertas as inscrições para o concurso público da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), que vai selecionar professores para os campi de Chapecó (SC), sede da instituição, Cerro Largo (RS), Erechim (RS), Laranjeiras (PR) e Realeza (PR). São 165 vagas para diversas áreas e as inscrições devem ser feitas até as 20h de 9 de novembro. O valor da taxa é de R$ 90 para o cargo de dedicação exclusiva e R$ 70 para o de 20 horas. Será exigida a titulação mínima de mestre. A primeira prova, eliminatória, vai ocorrer no dia 22 de novembro, em Florianópolis. As inscrições homologadas serão divulgadas no site da UFFS, no prazo de 72 (setenta e duas) horas úteis após o encerramento das inscrições. O edital completo pode ser consultado na página da universidade. Outras informações pelo telefone (48) 3721-6646.

20 de out. de 2009

Biblioteca digital mundial

Dêem uma olhada no site da Biblioteca Digital Mundial. Mais facilidades para os pesquisadores de história, geografia e áreas afins...


Pra entrar pra história e assistir: Distrito 9.

Ainda que os leitores deste blog sejam apenas o pessoal do Bandoleros Unesp (creio eu), gostaria de compartilhar um filme que assisti recentemente e é altamente recomendável aos amantes da ufologia séria, não aquela esotérica e pseudo-religiosa que vemos constantemente por aí.

Depois de ouvir alguns nerdcasts do Jovem Nerd resolvi assistir o filme de Peter Jackson, embalado pelo entusiasmo de meu irmão acerca da temática alienígena.

Enfim, é um bom filme. Digo isso porque a película é obviamente (não há spoilers aqui... pelo menos acho que não!) uma discussão elaborada e que melhora muito o debate de uma provável invasão ou contato, como queiram, extraterrestre aqui. Só pra terem uma ideia, o país onde os insetos são retratados no filme e severamente segregados não é nada menos que a África do Sul, terra do conhecido Apartheid. Bom mote.

Para os que esperam um filme com ação. Tem. Para os que querem refletir sobre preconceito. Tem. Para os que querem acreditar que em 2012 haverá um contato entre seres humanos e extraterrestres? Tem também.

O que sempre me comoveu e me criou traumas na infância sobre ET's e afins é algo misterioso. Gostava muito de ler, ver e conhecer sobre o assunto, mas temia um contato, ainda que de 1º grau. O filme de Peter Jackson revela e naturaliza a relação tão improvável entre nós e "eles" a ponto de criarmos certa solidariedade em relação a tais criaturas.

O problema central de toda história humana sobre ET's é que são os humanos e somente sua perspectiva que olha para os outros. Daí a humanização deles. Eles usam roupinhas, sentem medo, enfim, se comportam como nós. Isso o filme traz abundantemente, mas nada tão comprometedor à trama.

Só pegou mal mesmo, na minha opinião, um merchandising (!!!) pra promover a bagaça em que internautas podem enviar relatos de avistamento de ET's ou não humanos.
Veja aqui.


23 de set. de 2009

Uma homenagem ao Almirante Negro


Exposição na Biblioteca Nacional apresenta os documentos que colocaram a Revolta da Chibata nos livros de história do Brasil
por Bruno Fiuza
Reprodução

Para comemorar os 50 anos do lançamento do livro A revolta da Chibata, do jornalista cearense Edmar Morel, a Biblioteca Nacional organizou a exposição “A revolta da Chibata – O jornalista e o marinheiro”. Inaugurada no dia 10 de setembro, a mostra fica em cartaz até novembro e pode ser visitada de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h, no terceiro andar da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

A obra homenageada não é um livro qualquer: foi o primeiro a contar a história da rebelião organizada por um grupo de marinheiros no Rio de Janeiro em 1910 para reivindicar o fim dos castigos corporais na Marinha. No dia 22 de novembro daquele ano, um grupo de oficiais da Armada brasileira tomou os encouraçados Minas Gerais, São Paulo e Deodoro, e apontou os canhões dos navios para o palácio do Catete, na época sede do governo federal.

A revolta durou até o dia 26 de novembro, quando o governo do presidente Hermes da Fonseca concedeu anistia aos insurretos. Foi, no entanto, uma vitória de Pirro para os marinheiros. Poucos dias depois os revoltosos começariam a ser demitidos da Marinha e, na sequência, presos e torturados. O único participante da revolta que sobreviveu à repressão foi o líder do movimento, João Cândido, conhecido como o “Almirante Negro".

Por mais de 40 anos, a revolta foi um tabu para as Forças Armadas brasileiras. Os poucos pesquisadores que tentaram levantar a história na década de 30 foram perseguidos pela Marinha e tiveram de desistir da empreitada. Foi só em 1958 que Edmar Morel conseguiu reunir o material necessário para contar a história daquela que ele batizou de A Revolta da Chibata, título do livro que publicou em 1959. Morel não só reuniu documentos como entrevistou pessoas ligadas ao movimento, incluindo João Cândido, de quem ficou amigo. A exposição em cartaz na Biblioteca Nacional apresenta 35 documentos usados pelo jornalista para resgatar do ostracismo uma revolta popular que, se dependesse da Marinha, continuaria relegada aos porões da história.

http://www2.uol.com.br/historiaviva/noticias/os_monumentos__escritos__ao_almirante_negro.html

Excelente!

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22 de set. de 2009

Qual a razão da intervenção brasileira nesse cenário?

Crise em Honduras

Luiz Raatz, do estadao.com.br

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SÃO PAULO - A crise política em Honduras se agravou a partir de março quando o presidente Manuel Zelaya apresentou uma proposta para realizar um plebiscito sobre a criação de uma assembleia constituinte que permitisse a reeleição presidencial. Zelaya, que se elegeu por uma coalizão de centro-direita em uma acirrada disputa em 2005, se aproximou durante o mandato do presidente venezuelano, Hugo Chávez e tem enfrentado uma oposição cada vez mais severa da oposição hondurenha.

Em março, Zelaya propôs realizar um referendo para realizar em novembro uma Assembleia Constituinte. Segundo ele, a mudança constitucional era necessária para fazer as mudanças que Honduras necessita para se desenvolver. Entre as mudanças está a reeleição para presidente. Segundo a atual Carta Magna do país, promulgada em 1982, o mandato único do presidente da república é uma cláusula pétrea e não pode ser alterada.

Zelaya governava com minoria no Congresso, que é unicameral. Seu partido, o Liberal, tem 62 cadeiras, contra 55 do Partido Nacional e outras 11 de partidos opositores menores. Com a proposta do referendo, o presidente começou a perder apoio dentro do próprio partido.

Em Honduras, a Suprema Corte, que é apontada pelo Legislativo, também se posicionou contra a realização do referendo. Zelaya também tem uma relação difícil com os meios de comunicação. Em 2007, obrigou por decreto rádios e televisões a exibirem duas horas de propaganda do governo por julgar que a cobertura dos grandes veículos era tendenciosa.

O golpe

A tensão entre o Executivo e os demais poderes e o Exército cresceu nas semanas que antecederam o golpe. O plano do presidente foi considerado ilegal pelo Congresso e pela Justiça. Cinco dias antes da derrubada de Zelaya, em 28 de junho, o Legislativo aprovou uma lei que proibia a realização de referendos ou plebiscitos 180 dias antes ou depois de eleições gerais, o que impossibilitaria os planos do presidente. Em seguida, o chefe do Exército, general Romeo Vasquez, disse que não ajudaria na organização do referendo para não desrespeitar a lei.

Líderes militares se recusaram a entregar urnas para a votação, uma decisão que levou à demissão do general Vasquez e à renúncia do ministro da Defesa, Edmundo Orellana. Os chefes da Marinha e da Aeronáutica também renunciaram em protesto.

Simpatizantes do governo então entraram em uma base militar e retiraram as urnas que estavam guardadas lá.O Exército, por sua vez, colocou centenas de soldados nas ruas da capital, dizendo que quer prevenir que os aliados do presidente causem confusão.

Um dia antes do golpe, o presidente ignorou uma decisão da Suprema Corte para devolver o cargo ao chefe do Exército. "Nós não vamos obedecer a Suprema Corte", disse o presidente a uma multidão de simpatizantes em frente à sede do governo. "A corte, que apenas faz justiça aos poderosos, ricos e banqueiros, só causa problemas para a democracia."

No dia 28 de junho, militares invadiram o palácio presidencial, prenderam Zelaya, ainda de pijama, em seu dormitório e o colocaram num avião para a Costa Rica. À noite, o Congresso leu uma carta atribuída ao presidente na qual ele renunciava, o que foi desmentido por ele, e o destituiu do cargo.

18 de set. de 2009

De pax tucana e Febeapá

18/09/2009 11:42:29

Há momentos de puro enlevo, a vida é capaz disso. Somos todos pacifistas, creio eu, mas o que mais me comove neste exato instante é a esperança da mídia nativa em uma duradoura paz tucana. Sobretudo, da mídia paulista. Tamanho é o anseio, que o pessoal, às vezes, se precipita. Na segunda 14, os jornalões anunciavam um entendimento decisivo entre os pré-candidatos do PSDB à Presidência da República, José Serra e Aécio Neves: nem um, nem outro, afirmavam em papel impresso, querem prévias para a escolha do nome definitivo. Ora viva, que se apresente o melhor. No mesmo dia, outro anúncio: o governador de São Paulo escolheu seu candidato à sucessão, é Geraldo Alckmin. Tratava-se de informações baseadas na verdade factual ou no livre pensar esperançoso? Verifica-se, antes que dois sóis se ponham, que nada naquele noticiário corresponde à realidade. Aécio Neves surge na ribalta para declarar que as prévias partidárias ainda representam o melhor instrumento para apontar o candidato preferido pelo partido e por seus eleitores. Verifica-se, também, que nada está resolvido quanto à unção do candidato da maioria situacionista paulista à sucessão de Serra. Tanto alvoroço em torno de tais questões deixa absolutamente claro outro ponto (e a nitidez não é surpreendente): confirma-se, por parte dos jornalões, a opção definitiva (apoio futuro, compacta adesão, maciça sustentação) pelas candidaturas tucanas. Algo que, nesta moldura, causa alguma espécie é o súbito interesse midiático por outra candidatura, a da senadora Marina Silva. Como de hábito, a esperança resiste: supõe-se que a ex-ministra represente um obstáculo consistente no caminho de Dilma Rousseff. CartaCapital reafirma sempre ter tido respeito, apreço e até carinho por Marina Silva, de quem lamentou a saída do governo, que apontou, aliás, como erro. Agora a esperança é nossa: de que a senadora não se iluda com certos apoios midiáticos. • Recebemos muitas cartas a respeito da reportagem de capa da semana passada, e da posição de CartaCapital em relação ao caso Battisti. Na seção competente desta edição publicamos três: uma a favor, outra contra, outra a meio caminho, digamos assim. Respondo aqui à segunda e terceira. Permito-me, porém, imaginar, como faço há algum tempo, o que comentaria a respeito o inolvidável Stanislaw Ponte Preta. Arrisco o palpite: concluiria que o Febeapá dos tempos dele, o Festival de Besteira que Assola o País, era muito menos grave e assombroso do que o de hoje. O Febeapá atual não promove o Brasil, mostra gente demais, graúda e miúda, a viver em estado de confusão mental. Não me dirijo ao leitor Zeca Moraes, que entendeu as nossas razões. E sim a Sergio Rego. Para lhe dizer que a ilegalidade cometida pelo ministro Tarso Genro ao dar refúgio a Cesare Battisti está no clamoroso desrespeito à própria lei brasileira, conforme provou inapelavelmente, com uma peça jurídica impecável, o relator do processo, ministro Cezar Peluso. Tentem inteirar-se do conteúdo da relação do ministro, lá estão todos os esclarecimentos necessários para entender que, no lamentável episódio, mandou-se às favas não somente a lei, mas também a razão e o conhecimento da história contemporânea. Infelizmente, no Brasil há eminentes juristas, entre eles constitucionalistas, que tiram nota zero nessa matéria. Quanto à terceira carta, do leitor e amigo Henrique: tu quoque? Que tal recorrer a Montesquieu? Os poderes democráticos são iguais e independentes entre si. Só ao Supremo compete decidir se no caso cabe, ou não, o asilo político. Quanto ao refúgio, justifica-se somente se o extraditado corre, devolvido à sua terra, efetivo risco de vida. É óbvio que não é o caso da Itália, Estado Democrático de Direito. O próprio ministro Genro acabou por reconhecer, já depois de decidida a ilegalidade do refúgio, que Battisti, se for extraditado, terá sua incolumidade física garantida. E então, por que o refúgio? E que tem a ver o caso Battisti com a soberania do Brasil? Soberania para cometer desatinos políticos, jurídicos e históricos? E que diriam os missivistas que defendem Battisti se o ministro da Justiça da Itália negasse validade a uma sentença passada em julgado no Brasil?

14 de set. de 2009

Novo CQC?

Após CQC, La Liga Formato Internacional: Jornalístico pode emplacar na Band

Criadora do projeto de sucesso CQC, no ar no Brasil pela Band, a produtora argentina Cuatro Cabezas deve emplacar em breve mais um formato polêmico por aqui.

Já com uma filial em São Paulo, a empresa negocia outras atrações com emissoras locais, entre elas, o jornalístico La Liga (A Liga). Sucesso na Espanha, Itália e Chile, o programa, que tem grandes chances de ganhar uma versão na própria Bandeirantes, tenta mostrar, com humor, drama e uma boa dose de acidez, várias maneiras de se contar ao público uma mesma notícia.

No formato original, La Liga (A Liga) é composta por quatro integrantes, entre atores e jornalistas, que saem em busca de reconstituir um fato jornalístico e contar, com enfoques diferentes, a mesma história. Entrevistas e testemunhos dos mais diferentes pontos de vista do caso em questão fazem parte da investigação jornalística do programa.

Por aqui, La Liga segue em negociação, mas já tem as portas abertas por causa do sucesso do CQC. Este, por sinal, volta de férias em março na Band, reformulado e com a promessa de ter descolado uma integrante mulher.(fonte:estadão)

12 de set. de 2009

Fotógrafo andarilho de um planeta não revelado

Sebastião Salgado finaliza o ambicioso projeto Gênesis e fala da arte que tem como ofício

Laura Greenhalgh, de O Estado de S. Paulo

Foto: Marcos de Paula/AE

Sebastião Salgado tem o mundo impresso na memória. E pode comprovar isso. Aos 65 anos de idade, 36 deles dedicados à fotografia, cruzou o planeta em todas as direções, inclusive emburacando-se pelos lugares mais recônditos, para compor este que já é certamente um dos maiores acervos autorais de imagens de que se tem notícia. Mas Sebastião Salgado, pasmem, garante na entrevista a seguir que está ficando velho. E que um dia pode parar de fotografar. A previsão surpreende na voz que ainda se exalta, e se transporta, ao explicar as andanças pelo mundo em busca de rostos, gestos, corpos, lugares. "Para fazer fotografia documental é preciso ter sempre a ‘vontade de ir’. E eu tenho."

Em 2004, este mineiro de Aimorés, famoso no mundo inteiro pelo que vê e dispara de sua Leica (depois pôs-se a fazer o mesmo da Pentax e agora da Canon) anunciou que passaria oito anos fotografando lugares prístinos, ou seja, paraísos terrestres habitados por agrupamentos humanos cujos laços com a natureza são ainda primordiais. E que o projeto receberia o batismo bíblico de Gênesis. Pois a empreitada vai chegando ao fim. Prestes a embarcar em um navio para a Geórgia do Sul, contornando as Malvinas, Sebastião Salgado - Tião para os próximos - está quase no fim da série de 32 reportagens fotográficas por cinco continentes, numa geografia estranha aos roteiros turísticos convencionais. Longe disso: o economista que se bandeou para a fotografia aos 29 anos, hoje admite escalar a antropologia visual.

Não o faz sozinho. Tem a seu lado a arquiteta Lélia Wanick Salgado, a Lelinha, para Tião, mulher, mãe de seus dois filhos e "minha sócia na vida". Isso diz tudo. Foi com a Leica de Lélia que começou a fotografar nos anos 70 (ambos estudavam e moravam em Paris). Foi com o apoio de Lélia que trocou de profissão (era economista da Organização Internacional do Café e decidiu procurar emprego em agências fotográficas como Gamma, Sigma e Magnum) e foi com Lélia que montou, nos anos 90, a Amazonas Images, especializada em Sebastião Salgado. É Lélia quem edita os livros de fotografia dessa grife consagrada - entre eles, Trabalhadores, Terra, Êxodos e tantos outros - assim como é Lélia quem arquiteta e controla a montagem de exposições do marido pelo mundo (dentro de alguns dias vai inaugurar uma em Tóquio). Por muito menos, Lelinha já seria "a mulher de verdade", como diz o samba famoso, só que tem mais: ela preside o Instituto Terra, um vasto e bem-sucedido projeto ambiental, concebido com o marido na região do Vale do Rio Doce.

Da experiência direta com o ambientalismo veio a vontade de fotografar o planeta em lugares onde poucos pisaram, como explicará Sebastião. Gênesis estará concluído no ano que vem e, a partir daí, começam exposições de imagens do projeto que, a depender da vontade do casal Salgado, serão eventos ao ar livre, em grandes parques, por várias capitais do mundo. As fotografias também serão tema de um filme de Wim Wenders, com trilha do jovem compositor americano Jonathan Elias. Nestas páginas, quatro imagens dão apenas uma amostra do que vem por aí. Como o grupo de índios Zo’e, do Pará, povo que hoje não chega a 280 pessoas - vistos na mata, com seus cocares brancos, em fotografia jamais divulgada. Cenas de uma beleza desconcertante para ‘ocidentais’ tão domesticados.

Foto: Sebastião Salgado/Amazonas Images

Você tem dito que o Gênesis é seu último grande projeto fotográfico. Por que estabelecer o limite?

Digo que é o último projeto desse porte. Falo de projeto que leva anos para se concretizar, com viagens às vezes muito duras, desafios como o de andar 850 quilômetros até chegar a um determinado ponto. É preciso estar muito motivado e ter enorme disposição para encarar tudo isso. Não que eu vá parar de fotografar, mas encarar projetos nessa escala já pesa na minha idade. Tento me manter em forma, faço ginástica todos os dias, cruzo Paris de bicicleta, só que chega aquela hora em que o joelho começa a não querer obedecer. Como também vai chegar a hora em que vou preferir editar o meu material, talvez esse seja o trabalho mais importante que eu tenha pela frente. Sempre trabalhei muito, produzi um volume incrível de imagens. Tenho mais de 500 mil cópias de leitura, fora a imensidão de negativos que ainda não mexi. E uma imensidão de fotos paralelas.

Como assim?

Por exemplo, Lélia e eu começamos a editar nossas fotografias de família, material feito ao longo das nossas vidas, com nossos meninos crescendo. Então, penso um dia trabalhar no meu acervo, considerando que a idade vem chegando, que eu posso vir a me repetir e que os novos fotógrafos estão aí, vamos deixar lugar para eles. Tenho pensado nisso tudo. Inclusive na pertinência dos meus trabalhos. Falo de pertinência histórica, ideológica, pessoal. Hoje só faço aquilo com o qual tenho profunda identificação.

De que suporte financeiro você dispõe ao fazer um projeto das dimensões do Gênesis?

Temos o suporte de várias publicações: Rolling Stone, Paris Match, Guardian, La Republica, entre outras. Temos o apoio financeiro de duas fundações americanas, como também da Vale, nossa parceira de longa data. Agora mesmo vou passar dois meses na Geórgia do Sul e vem sendo montado um barco para essa reportagem, partindo das Malvinas. São viagens caras desde a fase da preparação. Quando comecei a propor projetos de três, cinco anos, os parceiros não entendiam bem. Hoje creio que ganhamos credibilidade. Quando falo para esses veículos que passarei oito anos fotografando e que, de tempos em tempos, eles terão minhas reportagens, ninguém duvida de que isso aconteça.

Depois de ter fotografado intensamente nestes últimos 36 anos, de propaganda de carro à vida dos garimpeiros, como é que você definiu o escopo do Gênesis? Por que buscar os lugares intocados do planeta?

A ideia do Gênesis nasce da experiência no Instituto Terra, uma reserva ambiental que começou a surgir no momento em recomprei as terras que foram da minha família, na região do Vale do Rio Doce. Ali passamos a lidar com o tema da biodiversidade, já optando pelo reflorestamento de uma área que estava bem degradada. As primeiras 500 mil mudas foram doadas pela Vale, com quem também nos associamos para fazer um programa de educação ambiental de longo alcance, o Terrinha. Lá na região, replantamos 1,5 milhão de árvores. Então, foi lidando com esse tipo de coisa que bateu a vontade de fotografar o planeta. Desenvolvemos um conceito, elaboramos o projeto fotográfico e fomos embora. Lélia e eu fizemos um sem-número de leituras, procuramos organizações ambientalistas pelo mundo. Por exemplo, grande parte da pesquisa foi feita nos arquivos da Conservation International, em Washington. Trabalhamos ainda com o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas, em Nairóbi, e com a Unesco. Quando iniciei o projeto por Galápagos, em 2004, estava tudo planejado para os anos seguintes.

E por que Galápagos? Tem a ver com Darwin?

Exatamente. Eu tinha vontade de entendê-lo. Já havia lido a teoria da evolução das espécies, sobre a viagem do Beagle, mas lá em Galápagos, hoje um patrimônio da humanidade, fica muito mais fácil compreender Darwin. Porque é possível conferir, visualmente, como uma determinada espécie se desenvolve de maneira diferente de uma ilha para outra. Em Galápagos você tem um microcosmos que retrata o universo. Acabei ficando por lá mais tempo do que o próprio Darwin. Ele passou 47 dias lá, eu passei 90. Tive autorização da Fundação Charles Darwin e do Parque Nacional de Galápagos para visitar todas as ilhas do arquipélago.

O que você privilegia no Gênesis: o homem, o bicho ou a natureza?

Ainda é o homem. Se você imaginar que 30 a 40% do projeto são fotos de pessoas e que a natureza tem muito, muito mais espécies, então o humano prevalece. Fotografei agrupamentos que vivem, em relação ao planeta, naquele mesmo equilíbrio dos tempos primordiais. Este foi o meu critério, por isso desisti de fotografar comunidades esquimós no Alasca ao ver que vários grupos já caçam com rifle e há chefe esquimó que tem até avião particular.

Afinal, encontrou esse humano 100% "in natura"?

Há vários grupos assim. Os mentawai, que vivem na ilha de Sumatra, na Indonésia, ainda mantêm uma relação tão forte com a natureza a ponto de fazê-la "deus". É preciso pedir permissões à natureza o tempo todo. Quando fotografo essas pessoas, às vezes preciso isolá-las do contexto para fazer um bom retrato. Posso improvisar um estúdio na mata com folhas, ou tecidos, fundos relativamente neutros. Pois para fazer um estúdio precisei tirar algumas palhas das casas mentawai. Tivemos que pedir autorização "divina" e a resposta só veio depois que a comunidade leu o futuro nas tripas dos animais, como é a tradição. Daí uma cobra entrou na nossa casa e meu assistente teve que matá-la. Pronto, os mentawai não gostaram, porque seria um aviso de que as coisas não estavam indo bem. Eles atravessam hoje um estágio evolutivo interessantíssimo: estão agora domesticando plantas e animais. Trabalhei também com os chamados bushmen, de Botswana e da Namíbia, que vivem como há 50 mil anos. São coletores-caçadores.

Sempre viaja com intérpretes?

Sim. No caso dos Zo’e, no Pará, fui com uma estudiosa da língua deles.

Existe um estranhamento quando você trava o primeiro contato com um humano que vive num estágio evolutivo tão remoto e diverso do seu?

Não. Primeiro porque, mesmo que demore um certo tempo, acabo sendo aceito ali. Como com o grupo, durmo onde o grupo dorme, me desloco com ele, enfim, passo a fazer parte desse núcleo. As reações, a maior parte delas, são previsíveis, porque são humanas, ainda que não se entenda uma conversa feita na base de estalos de língua. Eu nunca vi relações tão amorosas com os filhos quanto em grupos coletores-caçadores. Nos Zo’e, por exemplo, não existe o conceito do "não" para pôr limites nas crianças. Um dia eu estava fotografando e o indiozinho não parava quieto, não me deixava em paz, pulava pra cá, pra lá, derrubava coisas... daí eu pedi à intérprete que falasse com a mãe dele. A intérprete hesitou, mas falou. E a mãe ficou desesperada, porque não sabia me atender naquilo que eu pedia. Entre estes índios, padrões de comportamento mais maduros e responsáveis se desenvolvem naturalmente, à medida que pessoas crescem e envelhecem.

Você mostra as fotos que faz dessas pessoas para elas próprias?

Para os Zo’e cheguei a mostrar no visor da máquina digital. Para outros grupos, não, e nem terei como mandar as fotos, pois são nômades. Os índios adoraram, pois, como em todos os grupos visitados, sem exceção, demonstram grande preocupação com a estética. As mulheres, todas, andam com um espelho. E a todo momento arrumam o cocar de penas de urubu branco.

Mas são índias com espelho?

A Funai deu para eles quatro instrumentos de branco: o espelho, do qual as mulheres não desgrudam, lanterna, facão e faquinha. O caso da lanterna é interessante: porque ela já vem com pilhas e a Funai só dá outras mediante a entrega das velhas. A lanterna foi de grande ajuda, pois havia muita picada de cobra em caçada noturna.

Você se refere ao seu trabalho como reportagem e fala das fotos como documentos. Qual é o limite entre a foto documental e a foto artística?

O que é artístico? Eis o problema. Recentemente vi uma exposição de arte africana em Barcelona, num belo museu. A maioria das obras era de uso cotidiano, cestas, jarros, ferramentas agrícolas, peças que são vendidas por milhares de euros. Vá conferir no Museu d’Orsay, em Paris, os salões dedicados à arte da África e da Oceania: 90% do que é exposto são utensílios de uso diário ou religioso. Hoje aumenta o número dos meus colecionadores, minhas fotos vêm ganhando preço no mercado de arte, mas não perco de vista o que faço. Como aquela foto da invasão do MST na Fazenda Giacometti, no Paraná, numa situação-limite, às 5 da madrugada, e eu ali, com um filme de 3200 ASA, quase sem luz para operar. Fiz um documento. Um dia o MST não terá mais força, ou desaparecerá, eu mesmo vou desaparecer, mas a fotografia permanecerá. Será referência da nossa sociedade, ganhando dimensão artística. Dizer que faço foto de arte, ah, isso não rola comigo. Porque sou repórter, tenho carteira de jornalista, nossa agência, a Amazonas Images, é de imprensa.

Como você mesmo diz, cresce o número dos seus colecionadores. Sebastião Salgado virou um clássico?

Estou me tornando. No Gênesis, pela primeira vez na vida admiti fazer fotografias com número limitado de reproduções. Porque sempre fotografei pessoas em suas situações de vida, jamais tive qualquer problema com direitos de uso de imagem e sempre distribuí minhas fotos em séries ilimitadas, o que reduz muito o preço delas. Agora quero lidar com número limitado de cópias, reproduções feitas em papel platinum, caras, porém maravilhosas. Creio que esse trabalho merece. Já fizemos algumas cópias e, no futuro, pretendemos lançar as séries limitadas. Aí, sim, será a estreia no mercado de arte.

Especialmente nas fotos de paisagem do Gênesis você parece mais formal, preocupado em mostrar texturas, realçar formas, captar nuances tonais.

Fui acusado de estetizar a miséria. E sabe por quê? Porque minhas fotografias sempre foram bem compostas. Sabe de onde vêm as texturas? Do filme de imprensa que sempre usei, o TRI-X, que dá grão. Quase só fotografo na contraluz e demorei a perceber isso. Um dia a Lélia montou uma exposição minha em Havana e um professor de uma escola de artes em Cuba veio visitá-la com os alunos. Eu o ouvi dizer a eles ‘este fotógrafo aqui só trabalha contra a luz’. Daí me toquei! Fazia aquilo instintivamente, sem me dar conta de que é na contraluz que se destacam os relevos, pois a zona de luz e sombra permite criar a noção de volume. Quando você me fala das paisagens que tenho feito, não significa que esteja procurando um estetismo na natureza. É que a natureza é profundamente estética.

Dê exemplos.

Fotografei os dois vulcões mais altos da placa euro-asiática, na península da Kamchatka, na Rússia, com mais de 4 mil metros de altura. Acordo de manhã, com aquelas nuvens fantásticas no céu, aquilo me deu a impressão de estar no fundo do mar enxergando o topo de uma montanha. Vi chuva de luz em Kamchatka, tal a beleza dos raios solares atravessando aquelas nuvens. Ora, não preciso ser esteta diante desse espetáculo. Procuro registrar os prístinos, locais no mundo onde poucos pisaram, então é natural que essas imagens nos provoquem sensações fortes. Como a foto que fiz de um iceberg na Antártica, que mais parecia um castelo medieval na Escócia, no entanto, trata-se de uma escultura mutante da natureza.

Mas você concorda que algumas dessas imagens beiram o abstrato?

Pode ser. A rigor, sou um esteta desde o início, porque não se esqueça de que a fotografia é uma linguagem formal: você tem um plano, tem um fundo, tem um sistema de linhas, é preciso organizar esse negócio. O bom fotógrafo é aquele que domina as suas variáveis.

Como é que você ‘ataca’ a cena? Porque as variáveis também são externas: por exemplo, nuvens dançam no céu. As patas dos animais movem-se pelas matas.

São tempos internos distintos. Dou como exemplo a foto que fiz da mão da iguana. Eu vi aquela pata, que é uma mão na verdade, com cinco dedos e tudo. E quis fotografá-la, mas teria de ser com uma lente macro, bem de perto, para captar o detalhe. A iguana como que autorizou a foto, porque, normalmente, é bicho que não aceita aproximação a menos de 2 metros. Tive que ir me chegando, de joelhos, com delicadeza: ela me observava, eu a observava; eu avançava um pouco mais, ela sabia que alguma coisa estranha iria acontecer, mas aceitava; daí finalmente fiquei bem perto daquela mão e fiz a foto. Aí fui recuando, rastejando para trás, bem devagar. E ela me observava. Quando uma foto como esta é finalmente feita, o cansaço que bate é total. Porque, ali, o fotógrafo sabe que tem a possibilidade de fazer uma fotografia incrível, mas, numa fração de segundos, poderá perdê-la. Ou não. São extenuantes essas situações.

É o "momento decisivo" de Cartier-Bresson?

Sim e não. Esse conceito é parcialmente válido para mim, porque trabalho noutra realidade. O conceito de "momento decisivo" em Cartier-Bresson é de corte representativo: só existe aquele momento, o antes não é bom, e o depois, também não. Para mim isso não é verdade. Penso num fenômeno fotográfico feito de aproximações e ajustes, um fenômeno em evolução, com envolvimento das pessoas, dos lugares, com muitas conexões, enfim.

Quando você olha suas fotos de publicidade reconhece nelas o mesmo Sebastião Salgado do Gênesis?

Claro. Nunca fiz foto de publicidade que eu não me sentisse realmente motivado a fazê-la. Isso vale também para meus tempos nas agências Gamma, Sigma, Magnum. Quando inauguraram o aeroporto de Malpensa, em Milão, fui contratado para fazer fotos de promoção do lugar, mal aceito pela população do norte da Itália. Seriam fotos para estampar pôsteres distribuídos pelo país. Adorei a encomenda, não só porque me pagaram uma fortuna, mas porque eu tive a oportunidade de conhecer o que cerca e envolve um aeroporto. E saí fotografando. Descobri uma "cidade" que emprega 15 mil pessoas. Tem de tudo lá: do pessoal da limpeza bruta ao pessoal dos ajustes mais finos. Vi as famílias desembarcando, o encontro dos parentes, fabulosas histórias de vida. Descobri um grupo de aposentados, fanáticos por avião, que passa os dias controlando o tráfego aéreo das cercas de arame que circundam Malpensa. Propus aos meus clientes que fizessem um livro com aquele material. E toparam. Foi uma experiência genial.

Como você se sente quando dizem que só faz fotografia engajada?

Isso é um comentário limitador. Não sou um fotógrafo militante, embora me engaje profundamente naquilo que eu faço, quase como forma de vida. O que é muito diferente. Tenho minha ideologia, que pode ou não ser aceita, e fotografo tudo, da natureza ao carro da montadora, com a mesma doação pessoal.

Como é fotografar gente célebre?

Fiz e ainda faço isso. São momentos especiais. Porque peço sempre um tempo maior para fazer portraits, não aceito correrias. Como no caso do retrato do Bill Clinton para a Vogue americana. Pedi uma semana com ele, se não fosse assim, nada feito. Muitas vezes fiquei amigo dos fotografados. Como no caso do Italo Calvino. O New York Times pediu um retrato dele, viajei até Roma, me instalei num hotel e fui para a casa do escritor. Apertei a campainha, Italo veio até a porta e perguntou se eu era o fotógrafo do Times. Daí indagou quanto tempo eu precisaria para o serviço, já dizendo que uma hora estaria de bom tamanho. Eu expliquei: "Não, preciso de três dias." Ele reagiu de pronto, disse que jamais daria três dias da vida dele para mim ou para o Times. E eu rebati, então não dá para fazer. Estávamos nessa discussão quando chegou a mulher dele, uma argentina decidida, e botou ordem no pedaço. Não só ordenou ao Italo que ficasse à minha disposição o tempo que fosse preciso, como ordenou que eu me mudasse para a casa deles. Fotografei-o em casa, pelas ruas de Roma, fui para a casa deles em Paris, assim nasceu uma amizade que durou a vida inteira do Italo. Retrato precisa de tempo. E quem me pede para fazer um já sabe disso.

E a sua fidelidade ao preto e branco? Justamente por andar pelo mundo fotografando paraísos, muita gente lhe cobra a foto em cor.

Preto e branco é o que sei fazer. E não sou o único. Tem uma porção de fotógrafos que continuam fiéis a isso. Vou citar apenas um: o Cristiano Mascaro, que é um megafotógrafo, só produz em preto e branco. Não sei fazer o que ele faz, mas tanto ele quanto eu nos identificamos com essa abstração. No P&B aprendi a lidar com densidade, a controlar a revelação, a fazer minhas reproduções e mesmo hoje, já inteiramente adaptado à tecnologia digital, sigo no mesmo caminho. Tanto que programo a máquina digital de tal forma que, através dela, só vejo em preto e branco. O descarte da cor se dá logo no início. Passei a minha vida aperfeiçoando, não vou abandonar isso agora.

No entanto, você fez a passagem da máquina analógica para a digital com tranquilidade.

Só mudei o suporte, porque o processo continua rigorosamente o mesmo. Trabalhei quase toda a minha vida com Leica, depois, como precisava de negativos maiores, passei para Pentax. E agora fotografo com Canon. Mas, digitais ou analógicas, as máquinas são as mesmas, como as lentes também.

Por que diz que o processo não mudou?

Explico: fotografo em digital, daí tenho dois assistentes que descarregam os cartões lá em Paris e preparam para mim os contatos. Só então começo a seleção de imagens, porque não sei vê-las em computador, necessito ter os contatos e os meus, sinceramente, são lindos. Bom, edito os contatos, tenho um assistente só para fazer as cópias de leitura, e daí entram outros dois assistentes, responsáveis pelas cópias finais. Sobre essas cópias fazemos negativos, pois se por acaso perder imagens no armazenamento digital, tenho lá meus negativos muito bem guardados.

A tecnologia da imagem poderá um dia subjugar o olhar do fotógrafo?

Não creio, principalmente num trabalho como o meu, que é jornalístico e depende da iniciativa pessoal. Só faz fotografia documental quem tem aquela "vontade de ir". Isso é fundamental. O resto são as tais variáveis que devemos aprender a dominar. Muitas vezes acordo de pesadelos em minha casa, em Paris, sem saber onde estou. Isso me dá aflição. Mas quando me encontro num canto remoto do mundo, a sensação que tenho é a de saber exatamente onde estou.

E a manipulação de imagem, hoje tão mais fácil, tão mais imperceptível e tão mais incontrolável no mundo digital? Isso é um pesadelo para você?

Mais ou menos grosseiras, manipulações de imagem sempre existiram, por que vou me preocupar com isso? A verdade do fotógrafo é aquela fração de segundo. Se fizerem manipulação sobre isso, então não estaremos mais falando de fotografia. Daí nem me compete opinar.

Blogs do Além

A revista Carta Capital possui uma seção interessante em sua edição online: Blog's do Além. Confiram: http://www.blogsdoalem.com.br/

Dica: Blog do "Figa", vulgo João Figueiredo, ex-presidente do Brasil.

10 de set. de 2009

Um novo (re)início

Migrando do Live Spaces para o Blogspot, estou aqui para publicar algo que interessa (a mim?) à discussão... qualquer tema é válido. Porém reconheço que preocupo-me suficientemente com a história de nosso país (e do resto do mundo)...

Vou inserir links para trabalhos que publiquei também, pois não porque não aproveitar a internet como meio de divulgação, haja vista a dificuldade de textos e o conhecimento em si chegaram até o público leigo comum.



Acima, um texto publicado nos Anais do Encontro da ANPUH-SP de 2008, realizado em São Paulo, na FFLCH/USP. Comentários são bem-vindos... É só clicar na figura.