29 de out. de 2010

Sobre o comunismo

Estava em um blog (Caixa Pretta) e vi uma postagem com fotos de um monumento abandonado na Bulgária, páis que fazia parte da cortina de ferro ao longo da Guerra Fria. As imagens causam certo espanto pela grandiosidade do edifício e seu entorno, que é praticamente desértico.

É praticamente impossível não associar o abandono do monumento ao abandono das ideias do comunismo soviético. Agora penso: seria do comunismo como ideologia?

Parece que sim, pelo menos na Bulgária.







Não lembra um filme pós-apocaliptico?

Biblioteca Nacional, que completa 200 anos, sofre com excesso de livros

A Biblioteca Nacional, que completa hoje 200 anos, tem um passado épico. Seu acervo inicial chegou ao Brasil em 300 caixotes de madeira, vindos de Portugal a bordo de três caravelas, nos anos de 1810 e 1811.

Alguns livros eram remanescentes do terremoto de Lisboa, de 1755. Dois anos antes de chegar ao Rio de Janeiro, o conjunto ficou esquecido no porto durante a fuga da Família Real.

Sua primeira sede no Brasil foi nas catacumbas de um hospital. Desde aquela época, por determinação do governo, tudo o que é publicado no país precisa ser arquivado na biblioteca. Este fato, somado à incorporação de coleções particulares brasileiras, fez de seu acervo o maior e mais importante da América Latina.

Considerada pela Unesco uma das dez maiores do mundo, a biblioteca tem uma coleção de obras raras inigualável no país, com pergaminhos do século 11, livros com marcas de censura da Inquisição, manuscritos de escritores que vão de Balzac a Machado de Assis, gravuras de pintores famosos e uma impressionante coleção de fotografias do século 19.

O tamanho é também seu ponto vulnerável. A biblioteca recebe 7.500 obras por mês. Seu acervo já ultrapassou 9 milhões de peças. E a instituição não tem nem estrutura para lidar com isso.


Rafael Andrade/Folhapress
O interior da Biblioteca Nacional, criada no Rio de Janeiro em 1810
O interior da Biblioteca Nacional, criada no Rio de Janeiro em 1810

"O prédio principal já está lotado", diz o atual presidente, Muniz Sodré. Fotos raras foram furtadas do acervo em 2005. Livros novos e antigos estão em situação calamitosa num prédio anexo, na região portuária.

Desde 1990, quando se tornou uma fundação, a entidade vem acumulando funções relacionadas à política cultural. Uma delas é desenvolver programas de incentivo à leitura e montar bibliotecas no interior do país, o que envolve uma enorme estrutura logística para compra, estoque e distribuição.

Sodré diz que, em sua gestão, iniciada em 2005, já montou 1.856 bibliotecas.

Embora seja bom para o país, tem sido ruim para a biblioteca, que acaba dedicando esforço de menos em cuidar de seu acervo. No seu bicentenário, a instituição é mais uma máquina burocrática do que um glamouroso arquivo de raridades.

13 de out. de 2010

Brasil, sozinho, tem mais faculdades de Direito que todo o mundo

O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo, juntos. Existem 1.240 cursos para a formação de advogados em território nacional enquanto no resto do planeta a soma chega a 1.100 universidades. Os números foram informados por Jefferson Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Temos 1.240 faculdades de direito. No restante do mundo, incluindo China, Estados Unidos, Europa e África, temos 1.100 cursos, segundo os últimos dados que tivemos acesso”, disse o conselheiro do CNJ.

Segundo ele, sem o exame de ordem, prova obrigatória para o ingresso no mercado jurídico, o número de advogados no País –que está próximo dos 800 mil— seria muito maior.

“Se não tivéssemos a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teríamos um número maior de advogados do que todo o mundo. Temos um estoque de mais de 3 milhões de bacharéis que não estão inscritos na ordem”, afirmou Kravchychyn.

Má qualidade
Na opinião do conselheiro do CNJ, as faculdades de Direito no Brasil deixam a desejar. “Temos mais de 4 milhões de estudantes que estudam em faculdades que não ensinam mediação, arbitragem, conciliação. Ou seja, temos um espírito litigioso. Tudo eu quero litigar [discutir]. Isso é da formação da própria faculdade”, comentou o conselheiro, que citou, ainda, o perfil do brasileiro que entra com ações na Justiça.

“Não quero criticar o advogado, mesmo porque sou um. Mas precisamos mudar a consciência social sobre brigas no judiciário. Como todo mundo tem um advogado ou bacharel em direito na família, ou conhecido, qualquer coisa é motivo para entrar na Justiça”, finalizou.

12 de out. de 2010

Lembrança... ou seria infância?

Para o dia das crianças, comemoração festiva-consumistas, há uma indicação literária extremamente importante: Infância, obra de Graciliano Ramos.

Abaixo, alguns trechos...


Onde estava o cinturão? Impossível responder (…) tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam.

O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça (…).

Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro.

Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo (…).

Mandavam-me rabiscar algumas linhas pela manhã. Logo no início desse terrível dever, o pior de todos, surgiu uma novidade que me levou a desconfiar da instrução de Alagoas: no interior de Pernambuco havia 1899 depois dos nomes da terra e do mês; escrevíamos agora 1900, e isto me embrulhou o espírito. Faltou-me a explicação necessária (…). Com certeza não foi essa reflexão que me endureceu a munheca e povoou de borrões o traseiro, mas pode ter tido influência (…).





Boa leitura.

7 de out. de 2010

Em outro blog...


Vi essas imagens no blog Caixa Pretta e me chamaram atenção. O que elas provocam em você?

5 de out. de 2010

Fé na Eleição [ Hélio Schwartsman]

Deu segundo turno. Isso anima os tucanos, mas não creio que a festa ranfastídea irá durar muito. Se tudo o que já li sobre ciência política e neurociência aplicada a eleições vale alguma coisa, o advento do segundo escrutínio significa apenas que Dilma Rousseff terá de esperar até o fim do mês para comemorar sua assunção à Presidência da República. Para sair derrotada, a candidatura petista precisaria perder eleitores que já conquistara, um fenômeno que até pode ocorrer, mas que é relativamente raro.

Dilma terminou com 47% dos votos válidos. Para atingir a marca dos 50% que a entroniza no Planalto, precisa apenas herdar 1,5 de cada dez simpatizantes de Marina Silva. Colocando de outra forma, Serra precisaria arregimentar algo como 90% dos eleitores do PV para reverter o quadro. Pelas pesquisas das vésperas do primeiro turno, ele de fato incorpora a maioria dos verdes, mas numa proporção inferior à necessária: 50%. Cerca de 30% tendem a migrar para o PT.

Não são, contudo, essas platitudes aritmético-eleitorais que me motivam a escrever a coluna de hoje. A crer no que dizem marqueteiros, pesquisistas e jornalistas, foi a polêmica em torno do aborto que custou a Dilma a vitória no primeiro turno. Insuflados por clérigos que denunciaram o passado pró-abortista da candidata, eleitores religiosos (principalmente evangélicos, mas também católicos) teriam trocado a petista por Marina, genuinamente evangélica e contrária ao aborto desde criancinha. Para não perder a piada, eu diria que votaram na pessoa certa pelas razões erradas. (Recado aos adivinhadores de sufrágio: não, não votei em Marina).

A tese do efeito aborto é verossímil. Infelizmente, é difícil comprová-la porque os dois principais institutos de pesquisa, o Datafolha e o Ibope, na reta final, para reduzir o tempo das entrevistas, deixaram de perguntar aos eleitores a sua fé. O Datafolha excomungou a questão religiosa no final de junho, e o Ibope, em 23 de setembro. Os dados deste último, contudo, chegaram a registrar um esvaziamento de Dilma entre os evangélicos no mês passado.

O fato de o comando petista ter reagido firmemente procurando lideranças religiosas nos últimos dias da campanha e esconjurando a descriminação do aborto de seu programa também é sugestivo de que as sondagens do partido captaram a tendência, deflagrando uma operação de redução de danos.

Se confirmado como um fenômeno de grandes dimensões, seria a primeira vez que a religião se torna uma variável relevante em eleições majoritárias no Brasil. É justamente aí que mora o problema.

Longe de mim sugerir que pastores e padres não têm o direito de convencer seus rebanhos a votar segundo a palavra de Deus, ainda que esta esteja aberta às mais diferentes interpretações, muitas vezes inconciliáveis entre si. A democracia só existe quando as pessoas são livres para dizer o que pensam, mesmo que sejam besteiras ou fantasias delirantes, e o eleitor vota prestando contas apenas à sua consciência. Mas ninguém jamais afirmou que a democracia era a autoestrada para o paraíso. Como celebremente observou o estadista britânico Winston Churchill: 'Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos'.

O perigo de utilizar uma lógica espiritual para pautar a política é que ela introduz absolutos morais em questões que precisam ser resolvidas de uma perspectiva essencialmente prática, normalmente com recurso a negociações. Em suma, tudo o que não precisamos é trazer para as leis e políticas públicas é a noção de pecado. É claro que existe um equivalente laico do conceito de pecado, que é o crime. A diferença é que, enquanto este último tem uma justificação exclusivamente racional em bases mais ou menos utilitárias e comporta gradações, o primeiro, por ter sido ditado por uma autoridade superior e supostamente incontestável, nos chega na forma de pacotes inegociáveis. De certo modo, pensar religiosamente é negar a política.

A condenação da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani à morte por apedrejamento é um exemplo eloquente do tipo de problema com que estamos lidando. Ao contrário do que muitos possam pensar, atirar pedras em pecadores não é uma crueldade exclusiva do islamismo.

'Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti; Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti'. Essas passagens não foram tiradas do nobre Alcorão, mas da sagrada Bíblia judaico-cristã, mais especificamente do Deuteronômio 22:22-24.

Os muçulmanos não inventaram, portanto, o apedrejamento de adúlteros. Na verdade, o Alcorão determina para quem for apanhado cometendo esse delito uma pena bem mais leve, de apenas cem chicotadas. É o "Hadith" --a narrativa dos atos do profeta que, junto com o Alcorão, constitui a base da "sharia", a lei islâmica-- que autoriza, depois das chibatadas, a lapidação.

Detalhes legais à parte, a diferença entre o islã e o Ocidente hoje é que, enquanto este último assistiu ao longo dos últimos três ou quatro séculos a uma progressiva laicização das instituições e mesmo da vida, o primeiro permanece fiel a suas origens e textos religiosos.

Talvez seja excessivo afirmar que o Ocidente se tornou irreligioso, mas é certo que acabou ficando pouco zeloso nessa matéria. Foi essa oportuna avacalhação que fez com que as fogueiras inquisitoriais não voltassem a acender-se e permitiu que a ciência avançasse por terrenos que antes lhe eram vedados. Vale lembrar que, a depender da Igreja Católica, não teríamos nem ao menos desenvolvido a anatomia, a mais básica das disciplinas médicas.

A grande maioria dos ocidentais não chegou ao ponto de negar a existência de Deus --e dificilmente chegará--, mas relegou o sagrado a uma espécie de limbo. Um europeu típico --nas Américas a coisa é um pouco mais complicada-- diz que acredita em Deus e até vai a um culto cristão de vez em quando, mais por hábito do que por convicção profunda. Lê muito pouco a Bíblia e, felizmente, nem mesmo cogita de implementar as passagens que mandam apedrejar adúlteros --ou assassinar ateus, acrescento de olho em meus próprios interesses.

Não é só. Como procurei mostrar numa matéria que escrevi há pouco para a edição impressa da Folha, existe uma correlação negativa forte entre o grau de religiosidade de um país e seu sucesso econômico. Deus e pobreza andam de braços dados. Quem causa o que é uma questão aberta a interpretações.

É dessa pequena revolução iluminista que teve lugar no Ocidente que o islã se ressente. Lá muito mais do que cá, Estado e religião se confundem e tomam-se ao pé da letra as passagens do livro sagrado que descrevem o sofrimento futuro dos infiéis e as determinações do "Hadith" para que os apóstatas sejam assassinados.

Não estou evidentemente nem chegando perto de sugerir que essa novela em torno do aborto --e a vergonhosa capitulação de partidos que sempre defenderam um Estado laico-- nos coloca mais perto de uma teocracia. O próprio desenho institucional do país já veta essa possibilidade. Mas não é sem tristeza que assisto à negação da lógica laicista, que é a melhor coisa que aconteceu ao Ocidente nos últimos 300 anos.

Muito bom! Algo parecido hoje em dia?