30 de dez. de 2010

Fim do ano, útlima postagem...

Caros leitores, aí vai a última postagem do ano... novas esperanças, novas expectativas...

"É sempre igual a luta do que é antigo, do que já existe e procura subsistir, contra o desenvolvimento, a formação e a transformação. Toda a ordem acaba por dar origem à pedanteria e para nos libertarmos dela destrói-se a ordem. Depois, demora sempre algum tempo até que se ganhe consciência de que é preciso voltar a estabelecer uma ordem. O clássico face ao romântico, a obrigação corporativa face à liberdade profissional, o latifúndio face à pulverização da propriedade fundiária: o conflito é sempre o mesmo e há-de sempre dar origem a um novo conflito. Deste modo, a maior prova de entendimento por parte do governante seria regular essa luta de tal maneira que, sem prejuízo de cada uma das partes, conseguisse manter-se equidistante.
É, no entanto, uma possibilidade que não foi dada aos homens, e Deus não parecer querer que assim aconteça".

Johann Wolfgang von Goethe, in 'Máximas e Reflexões'

29 de dez. de 2010

Cinema, para o fim do ano...




Olá leitores,

A indicação acima é do filme baseado na obra de Jon Krakauer "Into the Wild", dirigido por Sean Penn. Alguém já assitiu?

22 de dez. de 2010

Neil Gaiman diz tentar fugir de rótulos e declara amor ao surrealismo

da Folha.com
MARCOS FLAMÍNIO PERES

Na boa tradição do gótico inglês do século 18, o escritor Neil Gaiman situa o cenário de "Coraline" em um casarão isolado e imponente no alto de uma colina. Lá vive, com o pai e a mãe, a heroína de sua "graphic novel".

Entediada com as férias escolares, Coraline descobre uma porta na sala de visitas que dá para uma parede murada. Ela se abrirá --e somente a ela-- para um mundo duplicado, onde reside uma versão "do mal" de seus pais: olhos costurados com botões, unhas enormes e aparência cadavérica.

Como o duplo é uma das imagens mais recorrentes na literatura romântica, a primeira pergunta ao escritor inglês, que falou à Folha, recai sobre a influência desse movimento em sua obra.

"Não sei! Hesito em rotular minhas obras porque essa não é a tarefa do artista. Sua tarefa é criar --cabe aos outros rotular! Quando a gente acredita em rótulos, acredita que existem regras, naquilo que se deve ou não fazer. Algumas vezes me dizem que sou um neoclássico ou um pós-moderno, mas são apenas formas que encontram para descrever o que faço."

Persistente, o entrevistador tenta mais uma vez. "Coraline" lida com um mundo onírico, vetado aos adultos. Isso tem a ver com o surrealismo? "Amo os surrealistas; sempre amei!"

Ufa!

E Gaiman prossegue: "Quando era um garotinho, adorava os quadros de Dalí, e, mais tarde, descobriria André Breton [francês, autor do "Manifesto Surrealista", de 1924, a bíblia do movimento]. Há momentos em 'Coraline' que são puro surrealismo, em que a escrita se aproxima de um "estado infantil".

É por isso que os sonhos são tão importantes em sua obra? (Sua série clássica,"Sandman", é protagonizada justamente por Morfeu, a personificação dos sonhos).

"Sim, porque os usamos para representar tantas coisas... Mas, basicamente, duas: loucura, selvageria e também aspiração _aquilo que gostaríamos de ser. Nos sentimos fracassados na vida real se não conseguimos preencher nossos sonhos. Se conversarmos com alguém cuja vida foi arruinada, lhe dirá: 'Eu costumava ter sonhos, mas deixei de tê-los'!"

Lembra-se de seus sonhos? "Hoje, não! Mas era muito bom nisso quando escrevia 'Sandman'."

É de imaginar, então, que o autor inglês costume ler Freud...

"Não, embora pareça. Li um pouco no final da adolescência e aos vinte e poucos anos, quando pesquisava para 'Sandman'."

Mas ele é importante para o senhor?

"O que resume Freud para mim está no comentário de Sandman. Na 'Casa de Bonecas' [livro da série 'Sandman'], Morfeu e Rose [Walker] estão voando lado a lado quando ela lhe diz: 'Você sabe o que Freud disse sobre o significado de voar, nos sonhos? Disse que, de fato, você está sonhando em fazer sexo'. E Morfeu pergunta: 'Ok, mas então qual é o significado, em seu sonho, de fazer sexo?'. E ela não tem resposta para isso."

Bernardo Gutiérrez - 4.jul.2008/Folhapress
O escritor inglês Neil Gaiman em visita ao Brasil em 2008
O escritor inglês Neil Gaiman, que disse tentar fugir dos rótulos e ser amante do surrealismo, em visita ao Brasil em 2008

BRASIL!

Gaiman sabe do apreço que desfruta no Brasil. Quando esteve na Flip, em 2008, lembra que "apareceram 1.600 pessoas na minha sessão de autógrafos. Em Nova York, Chicago e Los Angeles, não reúno mais que 300!"

E como explica esse fenômeno? Não será porque nos EUA as HQs sejam parte da cultura há muito tempo?

"Não sei explicar todo o fenômeno, e por isso ele me fascina. Os leitores brasileiros me parecem incrivelmente espertos, mas há uma série de coisas trabalhando contra. Uma delas é que o sucesso das HQs no Brasil começou no momento em que o Ocidente também o descobria. Isso tornou os livros caros para o padrão daí."

Mas Gaiman tem outra explicação, de ordem cultural.

"Também tive a impressão de que no Brasil muito poucas pessoas falam inglês. Isso quer dizer que elas ficaram por um tempo à mercê da indústria editorial e da situação da economia."

GRANDES NOMES

Qual a diferença entre HQs americanas e europeias? "Se você me fizesse essa pergunta 25 anos atrás, poderia facilmente lhe dar uma resposta. Mas hoje as coisas mudaram --e estão mudando."

Todos influenciam todos?

"Exatamente. De um lado a outro do planeta, todo mundo lê todo mundo."

E quais são os escritores e artistas mais importantes no cenário atual?

"Os mais importantes artistas são também os melhores escritores. São os responsáveis pelo que se fez de melhor nos últimos 15 anos. A adaptação que Robert Crumb, que começou no underground, fez para o 'Gênesis' é uma obra-prima."

Alguém mais? "Art Spiegelman, Chris Ware Linda Barry [todos americanos]..."

A internet mudou o gênero? "Mudou tudo! Porque você sabe muito rapidamente o que o outro está fazendo. E, com o iPad, está ficando cada vez mais fácil ler quadrinhos. O jeito de fazer também mudou, e isso me apaixona."

Em que trabalha agora?

"Em um livro de não-ficção sobre mitologia chinesa, a história de um rei macaco. Em também em um episódio para a TV inglesa."

E conclui, enfático: "E transmita todo o meu amor ao povo brasileiro".

20 de dez. de 2010

O filósofo Charles Harper




por Luiz Felipe Pondé para a Folha

Adoro televisão! Curto muito o dr. House e sua visão trágica de mundo (aliviada estes dias porque ele está pegando a chefe, a dra. Cuddy, e sempre que pegamos alguém a tragédia da vida se dilui na doçura do sucesso sexual, não?).

Hierarquias de poder são grandes afrodisíacos, seja quando envolve mulheres acima (chefes), seja com mulheres abaixo (secretárias). O cinema explora isso há muito tempo com sucesso de bilheteria.

Calma, cara leitora. Não engasgue. Brinco. Aliás, brinco muitas vezes, mas nunca sabemos até onde vai a brincadeira no mundo, não é? Dúvidas são como neblina numa estrada. Escondem curvas e acidentes mortais ou nada além da própria monótona neblina.

Mas tenho um outro herói na TV: Charles Harper, da série "Two and a Half Men". Tenho um amigo que a deu de presente para seu jovem sobrinho. Acertou em cheio: essa série deveria fazer parte da formação de todo menino hoje em dia, porque vivemos em épocas sombrias. A propósito, deveríamos dar de presente neste Natal a coleção inteira de Monteiro Lobato só para deixar os fascistas da censura das raças bravos. Se vivessem na Alemanha nazista, esses fascistas fariam fogueiras com livros do Monteiro Lobato.


Na agonia de diminuir as baixarias do mundo, estamos mesmo é gerando meninos inseguros e confusos e ainda tem gente por aí que nega isso. Sei que escolas "ensinam" em sala de aula que as "mulheres são oprimidas" já na sétima série! Ouvindo isso, fico feliz que já tenho 51 anos e que pude crescer num mundo onde as mulheres não eram "esse bicho de sete cabeças" que viraram. Pena. Agora sofrem com carinhas medrosos e chorões... e fóbicos que não aguentam compromissos. Ainda bem que a velha seleção natural do Darwin impede que a maioria delas acredite nas baboseiras que falam por aí sobre meninas oprimidas na sétima série. Homens e mulheres se amam para além do "ódio de gênero".

Voltando ao filósofo Charlie. O duo dele e seu irmão Alan é ceticismo puro para com as modas do comportamento "correto". Um estudo do comportamento masculino que deixa muita ciência "das masculinidades" (que nome horroroso!) no chinelo. As "militâncias" transformaram muitas mulheres em zumbis emancipados e agora se preparam para fazer o mesmo com os coitados dos caras.

Alan é o típico homem inseguro, mentiroso, "loser", que se esconde no blá-blá-blá atual da "sensibilidade masculina". Mas sua muito para pegar alguém. Falido, "massagista" que queria ser médico, expulso de casa pela sua ex-mulher, Alan vai morar com seu irmão Charlie e leva seu filho, Jake (uma prova de que corremos risco de extinção por estupidez). Charlie é seu oposto: bem-sucedido financeiramente, ganha muita grana fazendo jingle publicitário (o suficiente para deixar as "freiras feias" da esquerda nervosas) e pega todas.

Claro que estamos no mundo dos tipos superficiais de comédias. A vida dos homens não é nem Alan nem Charlie. A sociedade do sucesso (material, sexual, afetivo) de hoje é um fracasso: tortura meninas para serem magras e meninos para darem dez sem tirar. A verdade é que a série brinca com os sucessos vazios dos dois irmãos e expõe a dura realidade: o sucesso na vida afetiva não existe.

Uma pérola para você: num dado momento, Alan reclama que seu irmão Charlie está ensinando bobagens para seu filho. Os dois conversavam sobre mulheres. Alan diz "uma relação é construída com sinceridade e respeito pelo outro" (mentira, ele é um dissimulado, como todo mundo que diz "respeitar o outro"), ao que seu irmão Charlie responde: "Nada disso, uma relação se constrói com diamante e Viagra". Voilà.

Moral da história: para além do blá-blá-blá da "sensibilidade masculina" e da idealização dos afetos (comum em épocas como a nossa, dominada pela sensibilidade infantil da classe média), a maioria das mulheres quer mesmo é homens com "poder" e seguros, que saibam dizer "não" para elas e "sustentar" um mundo onde elas se sintam amadas. A questão é: tem algum cara que queira pagar a conta? Amor é luxo.
Espero que você ganhe um diamante nesta semana.

3 de dez. de 2010

Fim do ano #1

Olá leitores do blog,

O tempo dos professores é escasso. Talvez saibam disso, por isso deixei de postar aqui por um tempo. Mas o assunto do momento é Wikileaks. O site encabeçado por Julian Assands é assunto na imprensa mundial. E foi dito, de forma bastante oportuna, que tem sido o pesadelo dos diplomatas e o sonho dos historiadores. De fato, mas por quê?

A diplomacia atual, ou melhor: a grande parte dela, tem feito o trabalho de manutenção do status quo global, pouco se preocupando com alterações estratégicas. Os documentos publicados pelo site, especialmente os concernentes aos Estados Unidos, chamam atenção, porque sabe-se ou especula-se que existe armamento nuclear na Europa Oriental (não na Rússia, que sabemos não ser novidade) mantido pelos estadunidenses, além das galhofas dos embaixadores yankees pelo mundo, como o Brasil.

De um lado, os que se preocupam em tapar buracos, em por panos quentes. De outro, os que se preocupam em revelar a verdade. Discordo da afirmação. Quem garante que existem somente boas intenções em publicizar documento confindenciais, segredo de Estado? Ninguém. Quem garante que os próprios representantes - diplomatas - não sustentam ações como essas para subjetivar ou tornar indiretas as ações oficiais?



Já os preocupados com a verdade, não estão lá assim tão preocupados. Ainda é preciso muito tempo para analisar o que vem ganhando luz através do site e existem aqueles que defendem a ideia de ocultamento de certas informações.

No fim de tudo, vejo que há muita palha pra ser queimada e muita gente com coquetel molotov nas mãos. Com a salvaguarda política e não da "liberdade" Estados e Wikileaks querem é esquentar a Guerra Fria, que paradoxalmente, ainda esta aí. Logo ao alcance do seu navegador.

1 de nov. de 2010

Eleições entram pra história, claro!

A esmagadora maioria das pessoas, cientistas políticos, intelectuais... classificam o momento como de indefinição, dúvida... o que sucederá ao país depois da eleição que esmagou (no nível federal) a oposição? Não quero me atrever a publicizar aqui minha opinião sobre esse assunto. Mas queria externalizar certo alívio, não sei porquê. Só saberei do meu engano (caso haja) no futuro. Hehehe...

Outro dia vi e li um jornal de um grupo ligado ao Exército que era de espantar. Vejam o site http://www.grupoinconfidencia.com.br/ e me digam o que leram lá.... abaixo uma breve transcrição de um item nomeado de "governo mundial secreto" (entenda-se comunismo):




Tenham paciência, irmãos. Com a experiência, pouco a pouco vocês irão conhecendo o verdadeiro Obama. Mas, por enquanto, não perguntem nada. O presidente eleito já tem livre acesso a todos os mais altos segredos de Estado da nação americana, mas a realidade da sua vida permanece um segredo inviolável. Pretender investigá-la é crime de racismo. Aguardem para breve a “Fairness Doctrine”, velho sonho democrata já em avançado estado de implemen-tação, que acabará com as perguntas incômodas nas estações de rádio, e o advento da “Força Civil de Segurança Nacional”, militância armada, do tamanho do Exército, a qual, nada tendo de sério a fazer na esfera policial, só servirá para perseguir “fundamentalistas” (não islâmicos, é claro), “homofóbicos”, “extremistas de direita” e outros tipos abomináveis.

Se essa elitização sem precedentes vem em nome da igualdade, é algo que pode parecer uma ironia cruel, mas nada tem de inusitado.

Ao longo da História, cada vez que um governante quis elevar seu coeficiente de poder, fez isso estrangulando, com a ajuda da massa idiotizada, as hierarquias intermediárias. Ivan o Terrível e Luís XIV deram a fórmula, que ainda funciona.

Por Olavo de Carvalho

29 de out. de 2010

Sobre o comunismo

Estava em um blog (Caixa Pretta) e vi uma postagem com fotos de um monumento abandonado na Bulgária, páis que fazia parte da cortina de ferro ao longo da Guerra Fria. As imagens causam certo espanto pela grandiosidade do edifício e seu entorno, que é praticamente desértico.

É praticamente impossível não associar o abandono do monumento ao abandono das ideias do comunismo soviético. Agora penso: seria do comunismo como ideologia?

Parece que sim, pelo menos na Bulgária.







Não lembra um filme pós-apocaliptico?

Biblioteca Nacional, que completa 200 anos, sofre com excesso de livros

A Biblioteca Nacional, que completa hoje 200 anos, tem um passado épico. Seu acervo inicial chegou ao Brasil em 300 caixotes de madeira, vindos de Portugal a bordo de três caravelas, nos anos de 1810 e 1811.

Alguns livros eram remanescentes do terremoto de Lisboa, de 1755. Dois anos antes de chegar ao Rio de Janeiro, o conjunto ficou esquecido no porto durante a fuga da Família Real.

Sua primeira sede no Brasil foi nas catacumbas de um hospital. Desde aquela época, por determinação do governo, tudo o que é publicado no país precisa ser arquivado na biblioteca. Este fato, somado à incorporação de coleções particulares brasileiras, fez de seu acervo o maior e mais importante da América Latina.

Considerada pela Unesco uma das dez maiores do mundo, a biblioteca tem uma coleção de obras raras inigualável no país, com pergaminhos do século 11, livros com marcas de censura da Inquisição, manuscritos de escritores que vão de Balzac a Machado de Assis, gravuras de pintores famosos e uma impressionante coleção de fotografias do século 19.

O tamanho é também seu ponto vulnerável. A biblioteca recebe 7.500 obras por mês. Seu acervo já ultrapassou 9 milhões de peças. E a instituição não tem nem estrutura para lidar com isso.


Rafael Andrade/Folhapress
O interior da Biblioteca Nacional, criada no Rio de Janeiro em 1810
O interior da Biblioteca Nacional, criada no Rio de Janeiro em 1810

"O prédio principal já está lotado", diz o atual presidente, Muniz Sodré. Fotos raras foram furtadas do acervo em 2005. Livros novos e antigos estão em situação calamitosa num prédio anexo, na região portuária.

Desde 1990, quando se tornou uma fundação, a entidade vem acumulando funções relacionadas à política cultural. Uma delas é desenvolver programas de incentivo à leitura e montar bibliotecas no interior do país, o que envolve uma enorme estrutura logística para compra, estoque e distribuição.

Sodré diz que, em sua gestão, iniciada em 2005, já montou 1.856 bibliotecas.

Embora seja bom para o país, tem sido ruim para a biblioteca, que acaba dedicando esforço de menos em cuidar de seu acervo. No seu bicentenário, a instituição é mais uma máquina burocrática do que um glamouroso arquivo de raridades.

13 de out. de 2010

Brasil, sozinho, tem mais faculdades de Direito que todo o mundo

O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo, juntos. Existem 1.240 cursos para a formação de advogados em território nacional enquanto no resto do planeta a soma chega a 1.100 universidades. Os números foram informados por Jefferson Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

“Temos 1.240 faculdades de direito. No restante do mundo, incluindo China, Estados Unidos, Europa e África, temos 1.100 cursos, segundo os últimos dados que tivemos acesso”, disse o conselheiro do CNJ.

Segundo ele, sem o exame de ordem, prova obrigatória para o ingresso no mercado jurídico, o número de advogados no País –que está próximo dos 800 mil— seria muito maior.

“Se não tivéssemos a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teríamos um número maior de advogados do que todo o mundo. Temos um estoque de mais de 3 milhões de bacharéis que não estão inscritos na ordem”, afirmou Kravchychyn.

Má qualidade
Na opinião do conselheiro do CNJ, as faculdades de Direito no Brasil deixam a desejar. “Temos mais de 4 milhões de estudantes que estudam em faculdades que não ensinam mediação, arbitragem, conciliação. Ou seja, temos um espírito litigioso. Tudo eu quero litigar [discutir]. Isso é da formação da própria faculdade”, comentou o conselheiro, que citou, ainda, o perfil do brasileiro que entra com ações na Justiça.

“Não quero criticar o advogado, mesmo porque sou um. Mas precisamos mudar a consciência social sobre brigas no judiciário. Como todo mundo tem um advogado ou bacharel em direito na família, ou conhecido, qualquer coisa é motivo para entrar na Justiça”, finalizou.

12 de out. de 2010

Lembrança... ou seria infância?

Para o dia das crianças, comemoração festiva-consumistas, há uma indicação literária extremamente importante: Infância, obra de Graciliano Ramos.

Abaixo, alguns trechos...


Onde estava o cinturão? Impossível responder (…) tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam.

O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça (…).

Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro.

Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo (…).

Mandavam-me rabiscar algumas linhas pela manhã. Logo no início desse terrível dever, o pior de todos, surgiu uma novidade que me levou a desconfiar da instrução de Alagoas: no interior de Pernambuco havia 1899 depois dos nomes da terra e do mês; escrevíamos agora 1900, e isto me embrulhou o espírito. Faltou-me a explicação necessária (…). Com certeza não foi essa reflexão que me endureceu a munheca e povoou de borrões o traseiro, mas pode ter tido influência (…).





Boa leitura.

7 de out. de 2010

Em outro blog...


Vi essas imagens no blog Caixa Pretta e me chamaram atenção. O que elas provocam em você?

5 de out. de 2010

Fé na Eleição [ Hélio Schwartsman]

Deu segundo turno. Isso anima os tucanos, mas não creio que a festa ranfastídea irá durar muito. Se tudo o que já li sobre ciência política e neurociência aplicada a eleições vale alguma coisa, o advento do segundo escrutínio significa apenas que Dilma Rousseff terá de esperar até o fim do mês para comemorar sua assunção à Presidência da República. Para sair derrotada, a candidatura petista precisaria perder eleitores que já conquistara, um fenômeno que até pode ocorrer, mas que é relativamente raro.

Dilma terminou com 47% dos votos válidos. Para atingir a marca dos 50% que a entroniza no Planalto, precisa apenas herdar 1,5 de cada dez simpatizantes de Marina Silva. Colocando de outra forma, Serra precisaria arregimentar algo como 90% dos eleitores do PV para reverter o quadro. Pelas pesquisas das vésperas do primeiro turno, ele de fato incorpora a maioria dos verdes, mas numa proporção inferior à necessária: 50%. Cerca de 30% tendem a migrar para o PT.

Não são, contudo, essas platitudes aritmético-eleitorais que me motivam a escrever a coluna de hoje. A crer no que dizem marqueteiros, pesquisistas e jornalistas, foi a polêmica em torno do aborto que custou a Dilma a vitória no primeiro turno. Insuflados por clérigos que denunciaram o passado pró-abortista da candidata, eleitores religiosos (principalmente evangélicos, mas também católicos) teriam trocado a petista por Marina, genuinamente evangélica e contrária ao aborto desde criancinha. Para não perder a piada, eu diria que votaram na pessoa certa pelas razões erradas. (Recado aos adivinhadores de sufrágio: não, não votei em Marina).

A tese do efeito aborto é verossímil. Infelizmente, é difícil comprová-la porque os dois principais institutos de pesquisa, o Datafolha e o Ibope, na reta final, para reduzir o tempo das entrevistas, deixaram de perguntar aos eleitores a sua fé. O Datafolha excomungou a questão religiosa no final de junho, e o Ibope, em 23 de setembro. Os dados deste último, contudo, chegaram a registrar um esvaziamento de Dilma entre os evangélicos no mês passado.

O fato de o comando petista ter reagido firmemente procurando lideranças religiosas nos últimos dias da campanha e esconjurando a descriminação do aborto de seu programa também é sugestivo de que as sondagens do partido captaram a tendência, deflagrando uma operação de redução de danos.

Se confirmado como um fenômeno de grandes dimensões, seria a primeira vez que a religião se torna uma variável relevante em eleições majoritárias no Brasil. É justamente aí que mora o problema.

Longe de mim sugerir que pastores e padres não têm o direito de convencer seus rebanhos a votar segundo a palavra de Deus, ainda que esta esteja aberta às mais diferentes interpretações, muitas vezes inconciliáveis entre si. A democracia só existe quando as pessoas são livres para dizer o que pensam, mesmo que sejam besteiras ou fantasias delirantes, e o eleitor vota prestando contas apenas à sua consciência. Mas ninguém jamais afirmou que a democracia era a autoestrada para o paraíso. Como celebremente observou o estadista britânico Winston Churchill: 'Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos'.

O perigo de utilizar uma lógica espiritual para pautar a política é que ela introduz absolutos morais em questões que precisam ser resolvidas de uma perspectiva essencialmente prática, normalmente com recurso a negociações. Em suma, tudo o que não precisamos é trazer para as leis e políticas públicas é a noção de pecado. É claro que existe um equivalente laico do conceito de pecado, que é o crime. A diferença é que, enquanto este último tem uma justificação exclusivamente racional em bases mais ou menos utilitárias e comporta gradações, o primeiro, por ter sido ditado por uma autoridade superior e supostamente incontestável, nos chega na forma de pacotes inegociáveis. De certo modo, pensar religiosamente é negar a política.

A condenação da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani à morte por apedrejamento é um exemplo eloquente do tipo de problema com que estamos lidando. Ao contrário do que muitos possam pensar, atirar pedras em pecadores não é uma crueldade exclusiva do islamismo.

'Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti; Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti'. Essas passagens não foram tiradas do nobre Alcorão, mas da sagrada Bíblia judaico-cristã, mais especificamente do Deuteronômio 22:22-24.

Os muçulmanos não inventaram, portanto, o apedrejamento de adúlteros. Na verdade, o Alcorão determina para quem for apanhado cometendo esse delito uma pena bem mais leve, de apenas cem chicotadas. É o "Hadith" --a narrativa dos atos do profeta que, junto com o Alcorão, constitui a base da "sharia", a lei islâmica-- que autoriza, depois das chibatadas, a lapidação.

Detalhes legais à parte, a diferença entre o islã e o Ocidente hoje é que, enquanto este último assistiu ao longo dos últimos três ou quatro séculos a uma progressiva laicização das instituições e mesmo da vida, o primeiro permanece fiel a suas origens e textos religiosos.

Talvez seja excessivo afirmar que o Ocidente se tornou irreligioso, mas é certo que acabou ficando pouco zeloso nessa matéria. Foi essa oportuna avacalhação que fez com que as fogueiras inquisitoriais não voltassem a acender-se e permitiu que a ciência avançasse por terrenos que antes lhe eram vedados. Vale lembrar que, a depender da Igreja Católica, não teríamos nem ao menos desenvolvido a anatomia, a mais básica das disciplinas médicas.

A grande maioria dos ocidentais não chegou ao ponto de negar a existência de Deus --e dificilmente chegará--, mas relegou o sagrado a uma espécie de limbo. Um europeu típico --nas Américas a coisa é um pouco mais complicada-- diz que acredita em Deus e até vai a um culto cristão de vez em quando, mais por hábito do que por convicção profunda. Lê muito pouco a Bíblia e, felizmente, nem mesmo cogita de implementar as passagens que mandam apedrejar adúlteros --ou assassinar ateus, acrescento de olho em meus próprios interesses.

Não é só. Como procurei mostrar numa matéria que escrevi há pouco para a edição impressa da Folha, existe uma correlação negativa forte entre o grau de religiosidade de um país e seu sucesso econômico. Deus e pobreza andam de braços dados. Quem causa o que é uma questão aberta a interpretações.

É dessa pequena revolução iluminista que teve lugar no Ocidente que o islã se ressente. Lá muito mais do que cá, Estado e religião se confundem e tomam-se ao pé da letra as passagens do livro sagrado que descrevem o sofrimento futuro dos infiéis e as determinações do "Hadith" para que os apóstatas sejam assassinados.

Não estou evidentemente nem chegando perto de sugerir que essa novela em torno do aborto --e a vergonhosa capitulação de partidos que sempre defenderam um Estado laico-- nos coloca mais perto de uma teocracia. O próprio desenho institucional do país já veta essa possibilidade. Mas não é sem tristeza que assisto à negação da lógica laicista, que é a melhor coisa que aconteceu ao Ocidente nos últimos 300 anos.

Muito bom! Algo parecido hoje em dia?

30 de set. de 2010

Para assistir:



Farrapo Humano (1945)


Don Birnham (Ray Milland) é um alcoólico que conta com a ajuda de sua namorada e de seu irmão para parar de beber. Os três planejam uma viagem no fim-de-semana. Antes da viagem, porém, sozinho em casa mas sem dinheiro, Don terá que se humilhar nas sarjetas para conseguir sustentar o seu vício. Vencedor do Oscar de Melhor Filme.


Entrem no Cinema e Cultura.

23 de set. de 2010

17 de set. de 2010

Picassos eleitorais




Um olho por um olho.

É a velha Lei de Talião que impera no blog Sujo Sua Cara.

Se políticos poluem a cidade com propaganda eleitoral, há quem jogue isso na cara deles. E na cara mesmo, já que a revanche inclui pintar bigode, monocelha e sorriso banguela sobre o rosto dos candidatos.

"Vamos ser justos: se você pode sujar minha cidade, eu posso sujar sua cara", diz o texto de apresentação do site.

São três amigos de Porto Alegre por trás do blog. A maioria das imagens vem da cidade gaúcha, mas o trio (que prefere não se identifcar) recebe por e-mail colaborações de outros Picassos eleitorais.

Por e-mail, um dos responsáveis criticou à Folha a lei que veta cartazes em postes, mas libera cavaletes de rua.

"Essa semana andou ventando forte aqui em Porto Alegre, e esses materiais causaram muitos transtornos. Teve carro atingido, teve lixo na rua, e muitos foram parar no arroio Dilúvio (o nosso Tietê). Minha namorada quase atropelou um pedestre ao tentar desviar de um cavalete que saiu voando."



28 de ago. de 2010

Sobre a (in)definição política

Do processo eleitoral desse ano, ficam marcados (sei que ainda não terminou) dois pontos básicos: transferência de prestígio e eleitores existem e política (enquanto problematização da realidade, discussão sobre acesso ao poder) não existe.

É o que se revela (são obviedades, claro) em meio a tanta anti propaganda eleitoral e ausência de proposições.

Já decidiu seu voto?

20 de ago. de 2010

Memória política

Transcrevo abaixo parte da entrevista disponibilizada no site do Le Monde Diplomatique Brasil:

Internet e memória política

Uma das grandes vantagens da internet é sua interatividade: ela pode ser usada como um grande banco de dados aberto para todos os usuários. Mas em que medida os brasileiros têm explorado as possibilidades desse mundo virtual quando se trata de participação política? E os políticos, como eles têm usado as redes sociais?

por Mariana Fonseca

Conversamos sobre esses e outros temas com o jornalista Rodrigo Savazoni, diretor da Fli Multimídia, que integra a Casa da Cultura Digital. Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, Savazoni apontou que o jovem brasileiro está mais politizado e criticou a maioria dos nossos políticos, que ainda não usa com plenitude as redes sociais: eles optariam por um sistema de broadcasting, ou seja, “eu falo, você escuta”, e não pelas discussões mais horizontais que a rede propicia.

LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL - A internet é uma ferramenta que pode reforçar a memória do eleitor?

RODRIGO SAVAZONI - Cada vez mais temos aplicações desenvolvidas que usam a internet naquilo que ela tem de diferencial, que é ser um amplo banco de dados acessível para todo usuário. Nesse sentido, é possível encontrar informação sobre políticos, governantes que almejem continuidade em um cargo público etc. Mas não é algo intrínseco da internet, isso faz parte de uma noção de uso, ou seja, de uma percepção de como ela pode servir a propósitos culturais, políticos e cidadãos, auxiliando assim a escolha dos eleitores.

Não é diferente do papel que a imprensa e a mídia de massa puderam desempenhar. O que varia é o fato de promover o acesso de acordo com a demanda do usuário, o que antes os outros meios não conseguiam proporcionar. Um exemplo é o site desenvolvido por jornalistas do St. Peterburg Times, o Politic Fact, projeto que ganhou, inclusive, o prêmio Pulitizer. Eles criaram, durante as eleições norte-americanas, uma espécie de “verdadômetro”, avaliando o que os candidatos prometiam, a partir de uma pesquisa e composição de banco de dados. Isso tem até sido copiado no Brasil.

DIPLOMATIQUE - Quais aplicativos brasileiros você destacaria nesse ano eleitoral?

SAVAZONI - Não estou acompanhando tanto as eleições atuais como acompanhei as anteriores, mas vou me arriscar citar alguns bons trabalhos. O que houve foi uma explosão desses aplicativos e iniciativas em várias frentes, numa passagem clara de que a internet começa a ter um peso maior nas eleições hoje do que teve anteriormente. Apesar não ser central, já que a influência da televisão ainda é enorme, temos um deslocamento razoável, que demonstra o papel que ela pode desempenhar.

Eu destacaria alguns trabalhos desenvolvidos pela sociedade civil, como a repercussão da lei Ficha Limpa, que ganhou amplitude com o projeto Excelências, da Transparência Brasil. Outro interessante é o Transparência Hack Day, uma lista de discussões e ações promovidas pela Esfera. Mais um seria o Eleitor 2010, da Globol Voices, entre outros tantos (leia box ao fim da entrevista).

Essas são iniciativas que partem de grupos da sociedade civil operando seu poder de mídia, sua possibilidade de se dispor de um meio de comunicação poderoso, a internet, sem precisar passar por uma mídia de massa tradicional. Claro, que se uma emissora de TV como a Globo decide fazer algo desse tipo, o impacto ainda é maior.

DIPLOMATIQUE - Existe uma sensação de que as pessoas estão podendo discutir mais, participar mais pela internet. Isso é real? Os jovens ligados à internet estão mais politizados?

SAVAZONI - Assistimos há alguns anos a um processo de politização crescente da sociedade brasileira. Alguns dizem que não, mas para mim é um discurso conservador de gerações mais velhas, falando das mudanças no perfil de participação e atuação. Mas, se analisarmos o volume de participação e as diferenças de foco da juventude de forma ampla, observamos um aprofundamento da complexidade da participação política no país e a internet acaba sendo um grande catalisador para esse tipo de ação que, muitas vezes, está atomizada devido à fragilidade das instituições de intermediação. Essas instituições, -- escolas, partidos, universidades e imprensa tradicional – que foram muito fortes no século XX, estão enfraquecidas. Continuam tendo poder, mas com menos impacto nos cidadãos que nasceram com a rede. Surgiram novos arranjos de participação. Se isso vai gerar efeitos na prática, ainda temos que observar, mas já vemos uma ânsia de participação que a rede potencializa. O Facebook e o Twitter são exemplos disso.

DIPLOMATIQUE – E como foi a apropriação por parte dos políticos dessas ferramentas? Falou-se muito do Barack Obama. Qual foi a grande descoberta dele?

SAVAZONI - A internet é uma ferramenta poderosa, fortalece as condições de conversação, permite diálogos horizontais e o surgimento de coisas que poderiam ficar escondidas por conta da organização do sistema midiático. No caso do Obama, ele veio de oito anos de governo George W. Bush e soube explorar essa ânsia de mudança no país, principalmente no contexto das prévias com a Hillary Clinton. Ele precisou usar das novas tecnologias para criar condições de interlocução igual para ambos, já que nos meios tradicionais não conseguiria. A campanha do Al Gore, feita oito anos antes, também havia usado bastante a internet, que na época já tinha uma difusão nos Estados Unidos igual à que temos atualmente no Brasil. Ele explorou-a tão bem quanto Obama. O diferencial é que houve um amadurecimento social do uso dessas ferramentas e um acordo político para superar os anos Bush. É claro que a internet teve um papel importante, mas você não gera um novo Obama com as ferramentas, existe um contexto político que produz isso.

DIPLOMATIQUE – No recente debate dos candidatos à presidência, o Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), por exemplo, falou do uso Twitter. Como os políticos brasileiros têm usado as redes sociais?

SAVAZONI - Essa é a primeira eleição no Brasil que ocorre com base em uma lei que permite o uso das novas tecnologias. Nas eleições anteriores, as mídias sociais estavam vedadas por conta de um marco legal completamente anacrônico. O Brasil superou isso e permitiu que a internet fosseusada em sua plenitude pelos candidatos, inclusive com doações online, que foram importantes no contexto americano e que vão influenciar o cenário brasileiro. Mas eu diria que até agora nenhum candidato se comprometeu de forma significativa com a rede que mereça ser destacado. Não é o caso da Dilma, Serra, Marina e até do Plínio, que recentemente descobriu esse espaço como uma forma de vazar o cerco midiático que ele sofre por ser um candidato que vocaliza certos valores que parecem não interessar às mídias eletrônicas de massa, especificamente a televisão.

O uso das redes sociais é difundido: todos os candidatos têm Twitter, Facebok, Orkut etc. O Mercadante aqui em São Paulo até criou uma rede social específica, organizando sua campanha por meio de uma rede desenvolvida em software livre etc. Mas ninguém se destacou porque as campanhas aparentemente ainda não decolaram.

DIPLOMATIQUE - É possível discutir política em 140 caracteres (tamanho máximo de textos postados no Twitter)?

SAVOZONI - Quanto maior a candidatura, menos se discute nas redes sociais. Quanto maior a candidatura, mais forte é a opção por usá-las como meio de broadcasting, “eu falo, você escuta”. O que os candidatos não perceberam ainda é que a internet é um arranjo que permite a conversa de muitos para muitos. Mas quando você vai descendo para candidaturas menores, de deputados federais ou estaduais, esse diálogo já ocorre. A proximidade com os eleitores vai deixando a conversa mais qualificada. Característica comum nas redes sociais, ter muitos seguidores isso é visto como sucesso; mas, por outro lado, quando se tem um universo mais controlado, a qualidade das discussões é maior. Essa é uma contradição, um fato que precisa ser observado.

Uma pesquisadora do Rio Grande do Sul, Raquel Recuero, tem uma visão bem técnica e apresenta vários dados interessantes. As pesquisas que ela tem divulgado e o que temos visto demonstram que a qualidade da conversação aumenta na medida em que se tem maior proximidade entre o candidato e seus potenciais eleitores.

DIPLOMATIQUE – Apesar da possibilidade de busca, candidatos com o histórico bastante sujo têm um eleitorado expressivo ou já foram reeleitos. Essa busca chega à maioria da população?

SAVAZONI – Duas coisas importantes. Primeiro a internet hoje já tem uma penetração de 70 milhões de usuários, o que já faz diferença no país em questão de troca de informação e obtenção de informação. Segundo, é fato que a rede potencializa o que as pesquisa já dizem do eleitor, que ele escolhe seus candidatos na troca de informações entra seus pares, familiares, amigos e essa influência na internet fica mais potencializada.

A internet não pode ser encarada como uma panacéia. Peguemos o caso do Joaquim Roriz, no Distrito Federal, por exemplo, que ao que parece será impugnado pelo Tribunal Superior Eleitoral devido à sua ficha suja. Ele criou uma rede social muito mais eficiente que a internet, dando lotes para pessoas da região metropolitana de Brasília e, por isso, lidera as pesquisas de opinião. É um acúmulo gerado ao longo do tempo. Não é uma mobilização social momentânea online que vai inverter esse tipo coronelismo ou populismo. Claro que esse acúmulo vai sofrendo impactos com o passar dos anos e a com a democratização, mas esses acordos políticos que fazem parte da sociedade não serão revertidos de uma hora para outra.

Dito isso, é fato que essas mobilizações em rede podem criar alternativas interessantes e ajudar as pessoas a esclarecerem dúvidas. Como o caso do projeto Politic Facts que gerava uma leitura sobre o que circulava na rede, spams, informações de marqueteiros etc. Fizeram um banco de dados onde eles filtravam as notícias, usando métodos jornalísticos, buscando esclarecimento, tentando dizer se uma coisa procedia ou não. O leitor podia separar o expediente eleitoral da verdade propriamente dita.

Um exemplo brasileiro seria o caso da candidata Dilma Rousseff. Circulou na web que ela era terrorista e tinha assassinado pessoas. Por outro lado, a sua campanha tenta vinculá-la ao Nelson Mandela, pacifista que teve que pegar em armas. São dois extremos que têm uma verdade bem mais complexa. A rede pode cumprir um papel interessante nesse sentido.

DIPLOMATIQUE –A internet também é um espaço que facilitou a difamação e a divulgação desses spams. Em quem confiar?

Esse caráter de banco de dados, como falamos no começo da entrevista, é importante: essa memória jamais esteve disponível. Sempre dependemos do que a imprensa publicava ou das campanhas. Essas informações não estavam facilmente disponíveis para o leitor mais crítico. A internet resolve esse problema. Por outro lado, isso passa por um envolvimento com a política menos emocional e mais racional. Hoje você pode recorrer à rede para se informar melhor. E com esse conjunto de informações, o eleitor pode decidir como quer votar, o que é um avanço. Mas isso faz mais parte da relação que as pessoas estabelecem com a política, e não com a internet.

E claro, a natureza e qualidade dessa informação produzida são importantes, a proporção de informação gerada na rede não corresponde em volume à qualidade. Mas esse cenário, comparado a outros que já tivemos, é sem dúvida muito melhor.

Uma das coisas mais interessantes que eu já li até agora na internet sobre as eleições foi do Xico Sá, que tuitou sobre o debate da semana passada. Se você entrar no YouTube e vir as edições produzidas pelos correligionários de Dilma e Serra, verá que eles tentam forçar a interpretação favorável para seu candidato. Posto isso, o Xico disse: “todos nós podemos ser como a TV Globo nas eleições de 1989”. O YouTube nos deu esse direito. A pergunta é: quem é que vai olhar tudo isso com algum distanciamento crítico e tentar esclarecer as pessoas? Boa pergunta.

DICAS DO SAVAZONI

Promessas de uma web bacana nas eleições

Destaco alguns trabalhos que vale a pena ficar atento nesta eleição, como forma de visualizar as melhores formas de usar a internet em um processo eleitoral. Na minha lista, só coloquei iniciativas da sociedade civil, porque acredito que é por meio delas que a comunicação efetivamente a serviço do cidadão se desenvolve no mundo das redes.

- Eleitor 2010 (Global Voices)

Esse projeto pretende organizar uma cobertura descentralizada e colaborativa em todo o país, para agregar informações sobre as campanhas por meio da ação de cidadãos engajados em produzir informações qualificadas. Muito bacana, mas ainda não decolou.

- Esfera e Comunidade do Transparência Hack Day

Ainda não há nenhum aplicativo específico desenvolvido, mas o pessoal tem trabalhado fortemente na organização de ações para unir política e desenvolvimento web com a finalidade de construir governos mais transparentes. Sairá coisa boa daí.

- Projeto Excelências (Transparência Brasil)

Banco de dados bem sucedido e consagrado, vencedor do Prêmio Esso, idealizado pelo excelente jornalista Marcelo Soares, o Excelências literalmente dá a ficha dos candidatos para que o eleitor possa escolher melhor.

Na minha opinião, o melhor projeto feito sobre eleições até agora é o PolitiFact, realizado nos Estados Unidos. Escrevi sobre ele um tempo atrás e acho que o que está ali ainda é válido. Não vi ninguém fazer nada parecido por aqui. Algumas iniciativas até começam a copiá-lo, mas não chegam nem perto quando comparamos interface e trabalho de apuração e checagem com o original americano.

10 de ago. de 2010

Homem precisa abandonar a Terra logo, diz Hawking [FOLHA]

Eis o destino humano na opinião do físico Stephen Hawking: abandonar a Terra nos próximos 100 anos ou se tornar uma espécie extinta.
"Eu vejo grandes perigos para a raça humana." A solução, diz, é abandonar o planeta e se espalhar pelo espaço.


Stefan Zaklin/Efe
Stephen Hawking durante a conferência "Por que devemos viajar ao espaço", nos EUA; ele é fã da exploração tripulada
Stephen Hawking durante a conferência "Por que devemos viajar ao espaço", nos EUA; ele é fã da exploração tripulada
Em entrevista ao site "Big Think", Hawking disse que existem muitas ameaças atualmente: guerras, a exploração excessiva dos recursos naturais e a quantidade exagerada de gente vivendo no planeta.
Além disso, há outro risco, diz. "Se alienígenas nos visitassem agora, o resultado seria muito parecido com o que aconteceu quando Colombo chegou à América: não foi nada bom para os povos nativos", afirmou ele.
"Esses alienígenas avançados talvez sejam nômades, procurando conquistar e colonizar quaisquer planetas que eles consigam alcançar."
Mas ele se diz otimista. "Fizemos muito progresso nos últimos cem anos. Se quisermos ir além dos próximos cem, o futuro é o espaço."
O problema são as distâncias: a estrela mais próxima da Terra, depois do Sol, está a mais de quatro anos-luz --as espaçonaves atuais levariam 50 mil anos para chegar lá.

6 de ago. de 2010

Infraestrutura, educação e política cultural [Revista CULT]

Superar o velho desenvolvimentismo e perguntar: que sociedade desejamos?


Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo
Em 2002, as eleições presidenciais foram realizadas sob um clima de terror especulativo. Os mercados e seus porta-vozes projetaram cenários apavorantes para os quatro anos de governo Lula; o risco Brasil foi a 2.400 pontos-base, descolando da pontuação dos outros emergentes.
A transição, para surpresa de muitos e decepção de outros, foi feita com habilidade e prudência e não foram poucas as ocasiões em que o presidente Lula se esquivou do rótulo “esquerdista”. Tratou de escapar da dicotomia direita-esquerda para se abrigar na rubrica de líder sindical, perseguindo a imagem do líder popular negociador, disposto ao compromisso e à mediação.
Lula poderia protagonizar um personagem ausente no livro de Slavoj ŽiŽek sobre a atualidade do Manifesto Comunista. Esse livro trata dos enganos, desenganos, projetos e miopias da esquerda na era do capitalismo neoliberal “financeirizado” e globalizado. Um dos capítulos aborda as ambiguidades e desencontros da luta política dos subalternos, ao interpretar o enredo do filme inglês Os Virtuoses. O diretor levou à tela a narrativa da luta desesperada e inglória de um punhado de mineiros contra o fechamento da mina em que trabalhavam. O grupo de militantes participava também de uma banda, comandada por um maestro-mineiro que, no limiar da derrota política, proclamava: “Só a música importa”. A consigna era vista pelos mais duros como uma forma simbólica, mas ilusória e alienante, de reafirmar a solidariedade de classe.
A mina tinha perdido a sua função econômica, foi fechada. Nada mais restava para os companheiros desempregados senão a irrealidade da banda, na qual tentavam colocar em prática valores que tinham perdido a “autenticidade”, isto é, as condições de vida e de trabalho que lhe davam sentido. No epílogo da triste jornada, um dos personagens reafirma sua pertinência fundamental ao grupo perdedor, seja qual for a forma assumida pelas condições de vida: “Se já não há mais esperança, resta tão somente seguir os princípios”.
A banda econômica do governo Lula preferiu apostar no equilíbrio entre a esperança e os princípios, ainda que isso tenha lhe custado a increpação de praticar a Realpolitik, tentando se equilibrar – de forma incoerente para os principistas – entre as ações que buscavam a elevação dos padrões de vida dos mais pobres e as decisões de política econômica que propiciavam os ganhos parrudos aos senhores das finanças e seus acólitos. Essa façanha, dizem os críticos, foi executada em um ambiente internacional excepcionalmente favorável. Maquiavel, no entanto, já advertia que a virtù do príncipe só poderia frutificar se amparada pela fortuna.
Seja como for, acuado no início do primeiro mandato pelo terrorismo dos mercados, o metalúrgico tratou de não violar a partitura que registrava os acordes da prudência, sem abandonar o projeto de ampliação das políticas sociais. Intuitivo, Lula, o sindicalista, construiu uma visão pragmática do desenvolvimento nas sociedades modernas. Para ele, a política é, sobretudo, mediação entre dois sistemas: as necessidades e aspirações dos cidadãos e os interesses monetários que se realizam por meio do mercado. Lula parece supor que esse jogo crucial da modernidade deve reconhecer a legitimidade das ações egoístas, observados os limites impostos pelas políticas do Estado destinados a proteger os mais frágeis e dependentes.
O Estado e os direitos do cidadão
A democracia moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasceu e se desenvolveu contra as ilusões de harmonia nas relações econômicas impostas pelo mercado. Desde o século 19, as lutas sociais e políticas dos subalternos cuidaram de restringir os efeitos da acumulação privada da riqueza sobre a massa de não proprietários e dependentes. O sufrágio universal foi conseguido com muita briga entre o fim do século 19 e o começo do século 20. Os direitos econômicos e sociais são produtos da luta que transcorre entre o fim dos anos 1930 e o fim da Segunda Guerra Mundial.
O Estado promotor da inclusão social é uma construção jurídica e institucional erigida a ferro e fogo pelos subalternos. Depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo na Europa, mas também de forma atenuada nos Estados Unidos, as forças antifascistas impuseram o reconhecimento dos direitos do cidadão, desde o seu nascimento até a sua morte. Sacralizaram os direitos individuais para expurgar da vida social qualquer resquício de totalitarismo, e afirmaram os direitos econômicos e sociais para evitar que o desamparo das massas se transfigurasse na busca de soluções salvacionistas e decisionistas.
Na periferia do capitalismo, o desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960 imaginou que o crescimento econômico resolveria naturalmente os desequilíbrios sociais e econômicos herdados da sociedade agrário-exportadora e semicolonial. Engano. O desenvolvimentismo, a despeito do razoável sucesso da industrialização, não conseguiu reduzir as desigualdades. Na esteira de um processo de urbanização acelerada, o desenvolvimentismo transportou as iniquidades do campo para as cidades, onde, até hoje, as mazelas da desigualdade e da violência sobrevivem expostas nas periferias e nos morros.
Não é de espantar que nos países em desenvolvimento tais tendências tenham levado à corrosão das convicções democráticas e republicanas do povaréu. As políticas sociais das últimas décadas – tambem aquelas iniciadas pelo goveno Fernando Henrique – ainda não superaram, mas apenas bloquearam, a reprodução desimpedida da velha prática das camadas dominantes: a reiterada violação dos direitos sociais, ainda mal conquistados na letra da Constituição de 1988. Na sociedade brasileira, ainda é agudo o conflito entre as aspirações dos cidadãos a uma vida decente, segura, economicamente amparada, e as condições reais da existência material e moral da grande maioria.
Desenvolvimento: infraestrutura, educação e política cultural
Alguém me perguntou outro dia o que o Brasil pretende do seu desenvolvimento. Vou falar em primeiro lugar da infraestrutura. Estamos diante do binômio transporte/energia, que não utiliza racionalmente nossa constelação de recursos, e a distribuição espacial das atividades, cada vez mais descentralizada. O modelo da “automobilização” não tem futuro – nem mesmo com o carro elétrico – porque sua reprodução tornará ainda mais dolorosa a vida urbana, sobretudo nas megametrópoles. O modelo também é inviável para o transporte de longa distância.
Mais importante do que a infraestrutura é definir o destino que pretendemos dar ao sistema educacional brasileiro. Não se trata apenas de abastecer adequadamente o mercado de trabalho. É importante, sim, formar mais técnicos e engenheiros, carreiras desestimuladas pelo baixo crescimento das últimas décadas. Mas, antes de tudo, trata-se de conter a degradação que está ocorrendo em todos os níveis da educação no Brasil: a especialização precoce, em detrimento da formação cultural mais ampla e mais sólida, capaz de permitir a autonomia e a fruição da liberdade pelo cidadão brasileiro. Pois não se forma um bom engenheiro se o profissional não tem noção do país em que vive, do mundo em que sobrevive. Na verdade está-se produzindo hoje uma geração de idiots savants [sábios idiotas], especializados no seu ramo de atividade, mas sem a menor noção do mundo onde vivem. Basta acompanhar o que se lê na internet. É assustador. Isso demanda maior empenho, sobretudo das camadas “esclarecidas” da sociedade civil, na construção de uma política cultural compatível com a democracia de massas.
Assim, a infraestrutura, a educação formal e a política cultural são as três questões fundamentais. Temos de superar o velho desenvolvimentismo que admitia o avanço social e cultural como consequência natural do desenvolvimento econômico e nos perguntar: que sociedade desejamos? Os grandes autores brasileiros, intérpretes do Brasil, perscrutaram a história para responder à questão de quem somos nós, os brasileiros. É hora de perguntar: que sociedade queremos?
Quando me refiro a uma política cultural, estou falando de uma integração do indivíduo e dos grupos sociais ao mundo contemporâneo; saber, afinal de contas, quais são os valores que nós queremos preservar. Imagino que sejam os mesmos que a modernidade colocou como um desafio para a nossa ação política: a liberdade, a igualdade e a compreensão.O que vemos hoje, desgraçadamente, no mundo inteiro e no Brasil em particular, é um processo de obscurecimento, e nesse aspecto tem enorme importância o que nós queremos dos meios de comunicação de massa. Hoje em dia há um grande debate em torno da liberdade de expressão. A grande mídia, sob a consigna da liberdade de expressão, trata de impedir que se desenvolva o verdadeiro debate sobre o Brasil ou sobre os temas que afligem a humanidade. Contra esse controle, temos de lutar pela diversidade. Promover a diversidade é uma obrigação das políticas públicas: não deixar que o poder da informação, concentrado em poucas empresas, se transforme em censura da opinião alheia. A internet ainda é uma caixa de ressonância da grande imprensa: os blogs e quejandos, em sua maioria, reproduzem o que a grande imprensa diz, na forma e no conteúdo, porque estão com a consciência crítica danificada.
O projeto da liberdade não pode, como dizia Adorno, se separar da questão da compreensão, do entendimento, da crítica e da capacidade de formular projetos. E isso está bloqueado hoje, no Brasil, por causa da banalização da vida e da celebração das celebridades. Tudo está sendo feito para que a sociedade se transforme numa massa amorfa que não tem papel nenhum a desempenhar na projeção de seu próprio destino.

31 de jul. de 2010

Robert Darton, "A questão dos livros"


Na obra "A Questão dos Livros" (Companhia das Letras, 2010), o historiador Robert Darnton denuncia o risco de concentração de conhecimento nas mãos de uma única empresa.
O intelectual, diretor da biblioteca da Universidade de Harvard (um dos maiores acervos do mundo), se refere mais especificamente ao Google, que atualmente negocia a digitalização das bibliotecas dos principais centros universitários dos EUA. A intenção da megacorporação é escanear as coleções e torná-las acessíveis na rede mediante assinaturas pagas.
Darnton falará do tema, com Peter Burke, de "Uma História Social do Conhecimento" (Zahar), e John Makinson na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), nos dias 5 e 6 de "A Questão dos Livros" ainda traça um panorama da história das publicações impressas e arrisca previsões sobre qual destino terão com a digitalização.
Com um texto simples e acessível, Darnton levanta debates essenciais sobre o futuro do conhecimento em nossa sociedade, questão que envolve desde o acesso livre à obras raras e fora de catálogo, até as grandes polêmicas com direitos autorais.


28 de jul. de 2010

Nuvens de tormenta sobre o Irã

Por Noam Chomsky
 
A grave ameaça representada pelo Irã é considerada uma das piores crises de política externa que a administração Obama enfrentará. O Congresso acaba de enrijecer as sanções contra o país, com punições mais severas para as companhias estrangeiras que comercializarem com o Irã. A administração expandiu ainda a capacidade ofensiva norte-americana na ilha africana Diego Garía, reforçada pelo Reino Unido, que expulsou a população local para que os Estados Unidos (EUA) pudessem construir ali uma grande base de ataque ao Oriente Médio e à Ásia Central.
 
A marinha estadunidense informou sobre o envio de uma equipe para a ilha, destinada à manutenção de submarinos portadores de mísseis Tomahawk, que, por sua vez, podem transportar ogivas nucleares. De acordo com o relatório da Marinha obtido pelo Sunday Herald (Glasgow), o equipamento militar inclui 387 bombas ‘destruidoras de bunkers’, que podem explodir estruturas subterrâneas reforçadas. "Eles estão ativando a engrenagem para a destruição do Irã", disse o diretor do Centro para Estudos Internacionais e Diplomacia da Universidade de Londres, Dan Plesch, ao jornal. "Os bombardeiros e mísseis de longo alcance estão prontos para destruir 10 mil alvos no Irã, em poucas horas", completa.
 
A imprensa árabe informa que uma frota americana (com um navio israelense) passou recentemente pelo Canal de Suez a caminho do Golfo Pérsico, onde sua missão era "implementar sanções contra o Irã e controlar os navios que entram e saem deste país". A mídia britânica informou também que Israel e Arábia Saudita estão formando um corredor para um possível bombardeio israelense contra o Irã (o que é negado pelos sauditas).
 
Retornando de uma visita ao Afeganistão para tranquilizar seus aliados na OTAN - após a demissão do general Stanley McChrystal - o almirante Michael Mulleno, chefe de Estado-Maior conjunto, visitou Israel para se reunir com o chefe das Forças Armadas e Militar de Israel, Gabi Ashkenazi, para manter, assim, o diálogo ‘estratégico’ entre as duas nações. A pauta central da reunião foi "a preparação de Israel e dos EUA ante a possibilidade de um Irã com capacidade nuclear", segundo o jornal Haaretz, que também informou que Mulleno enfatizou: "Eu sempre tento ver os desafios do ponto de vista de Israel".
 
Alguns analistas descrevem a ameaça iraniana em termos apocalípticos. "Os EUA devem enfrentar o Irã ou entregar o Oriente Médio", disse Amitai Etzioni. Se o programa nuclear do Irã se concretiza, segundo ele, Turquia, Arábia Saudita e outros estados se "movimentarão" em alinhamento a nova superpotência na região. Em uma retórica menos fervorosa, isto significa que uma aliança regional independendo dos EUA poderia se conformar.
 
Na revista do exército estadunidentes Military Review, Etzioni clama aos EUA não só um ataque contra as instalações nucleares do Irã, mas também contra seus ativos não nucleares, incluindo a infraestrutura do país, ou seja, a sociedade civil. "Esse tipo de ação militar é semelhante às sanções: causar danos visando mudar condutas, ainda que por meios mais potentes", escreve ele.
 
Uma avaliação oficial sobre a ameaça iraniana foi realizada em um relatório do Departamento de Defesa norte-americano submetido ao Congresso em abril passado. Os gastos militares do Irã são "relativamente baixos em relação ao resto da região", afirma o documento. A doutrina militar do Irã é estritamente "defensiva (...) destinada a retardar uma invasão e forçar uma solução diplomática aos conflitos". Ele ainda afirma que "o programa nuclear iraniano e sua vontade de manter em aberto a possibilidade de desenvolver armas nucleares (são) uma parte central de sua estratégia de dissuasão".
 
Para Washington, a capacidade de dissuasão do Irã é um exercício ilegítimo de soberania que interfere na geopolítica global e, especificamente, ameaça o controle estadunidense sobre os recursos energéticos do Oriente Médio. Mas a ameaça do Irã vai além da dissuasão. Teerã também está buscando ampliar sua influência na região, em contraposição a invasões e ocupações militares ‘estabilizadoras’ promovidas pelos EUA nos países vizinhos. “Para além destes crimes, o Irã está apoiando o terrorismo por meio do respaldo que dá ao Hezbollah e Hamas - as principais forças políticas no Líbano e na Palestina”, complementa o relatório do Pentágono.
 
O modelo de democracia no mundo muçulmano, apesar de suas falhas graves, seria a Turquia, onde as eleições são relativamente livres. A administração Obama ficou indignada quando este país se uniu ao Brasil para buscar um acordo com o Irã em relação às restrições em seu programa de enriquecimento de urânio. Os EUA reprimiram rapidamente o acordo, apresentando uma resolução no Conselho de Segurança da ONU com novas sanções contra o Irã – tão sem sentido que foi imediatamente endossada pela China, para quem, na melhor das hipóteses, a resolução evitaria a competição dos países ocidentais pelos recursos do Irã. Assim, sem nenhuma surpresa, Turquia e Brasil votaram contra a medida norte-americana, enquanto o Líbano se absteve.
 
Estas ações causaram um constrangimento ainda maior em Washington. Philip Gordon, o diplomata da administração Obama em assuntos europeus, advertiu a Turquia que suas ações não agradavam os EUA e que o país deveria "demonstrar seu compromisso de aliada ao Ocidente", segundo informações da Associated Press. A advertência a um aliado crucial na OTAN é uma atitude rara e a comunidade política parece concordar. Steven A. Cook, um especialista do Conselho de Relações Exteriores, afirma que a questão crucial é: "Como manter os turcos no seu caminho?" – ou seja, seguindo ordens como um bom país democrata.
 
Não há sinais de que outros países da região sejam mais favoráveis às sanções norte-americanas do que a Turquia. Paquistão e Irã se reuniram em Ancara, onde recentemente assinaram um acordo para a construção de um novo gasoduto. Mais preocupante para os EUA é que o gasoduto poderia ser estendido para a Índia. O tratado de 2008, em que os norte-americanos apóiam os programas nucleares da Índia, busca justamente impedir que este país se una ao gasoduto, de acordo com a avaliação de Moeed Yusuf, conselheiro em assuntos do Sul da Ásia no Instituto de Paz dos EUA.
 
A Índia e o Paquistão são duas das três potências nucleares que se recusaram a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Israel é o terceiro. Todos eles produziram - e ainda produzem - armamentos nucleares com o apoio dos EUA.
 
Nenhuma pessoa em sã consciência quer que o Irã ou qualquer outro país passe a desenvolver armas nucleares. Uma maneira óbvia para atenuar ou eliminar esta ameaça é estabelecer uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio. Esta questão foi levantada (de novo) na conferência para o TNP nas Nações Unidas, no início de maio. O Egito - como o presidente do Movimento dos Países Não-Alinhados, que inclui 118 países - propôs que a Conferência aprovasse um plano para iniciar a negociação para um Oriente Médio livre de armas nucleares em 2011, como foi feito pelo Ocidente, incluindo os EUA, em 1995. Washington ainda esta formalmente de acordo, mas insiste que Israel seja isento de cumprir o acordo, e não deu qualquer indicação de que o próprio EUA irá fazê-lo.
 
Ao invés de tomar medidas concretas para combater a ameaça de proliferação nuclear no Irã ou outros países, os EUA estão se movimentando para reforçar seu controle nas principais regiões produtoras de petróleo no Oriente Médio, usando inclusive a violência, se não alcançam seus objetivos por outros meios.
 
 
Fonte: http://blogs.publico.es/noam-chomsky/10/nubes-de-tormenta-sobre-iran/
Tradução: Débora Prado