É, no entanto, uma possibilidade que não foi dada aos homens, e Deus não parecer querer que assim aconteça".
Johann Wolfgang von Goethe, in 'Máximas e Reflexões'
Na boa tradição do gótico inglês do século 18, o escritor Neil Gaiman situa o cenário de "Coraline" em um casarão isolado e imponente no alto de uma colina. Lá vive, com o pai e a mãe, a heroína de sua "graphic novel".
Entediada com as férias escolares, Coraline descobre uma porta na sala de visitas que dá para uma parede murada. Ela se abrirá --e somente a ela-- para um mundo duplicado, onde reside uma versão "do mal" de seus pais: olhos costurados com botões, unhas enormes e aparência cadavérica.
Como o duplo é uma das imagens mais recorrentes na literatura romântica, a primeira pergunta ao escritor inglês, que falou à Folha, recai sobre a influência desse movimento em sua obra.
"Não sei! Hesito em rotular minhas obras porque essa não é a tarefa do artista. Sua tarefa é criar --cabe aos outros rotular! Quando a gente acredita em rótulos, acredita que existem regras, naquilo que se deve ou não fazer. Algumas vezes me dizem que sou um neoclássico ou um pós-moderno, mas são apenas formas que encontram para descrever o que faço."
Persistente, o entrevistador tenta mais uma vez. "Coraline" lida com um mundo onírico, vetado aos adultos. Isso tem a ver com o surrealismo? "Amo os surrealistas; sempre amei!"
Ufa!
E Gaiman prossegue: "Quando era um garotinho, adorava os quadros de Dalí, e, mais tarde, descobriria André Breton [francês, autor do "Manifesto Surrealista", de 1924, a bíblia do movimento]. Há momentos em 'Coraline' que são puro surrealismo, em que a escrita se aproxima de um "estado infantil".
É por isso que os sonhos são tão importantes em sua obra? (Sua série clássica,"Sandman", é protagonizada justamente por Morfeu, a personificação dos sonhos).
"Sim, porque os usamos para representar tantas coisas... Mas, basicamente, duas: loucura, selvageria e também aspiração _aquilo que gostaríamos de ser. Nos sentimos fracassados na vida real se não conseguimos preencher nossos sonhos. Se conversarmos com alguém cuja vida foi arruinada, lhe dirá: 'Eu costumava ter sonhos, mas deixei de tê-los'!"
Lembra-se de seus sonhos? "Hoje, não! Mas era muito bom nisso quando escrevia 'Sandman'."
É de imaginar, então, que o autor inglês costume ler Freud...
"Não, embora pareça. Li um pouco no final da adolescência e aos vinte e poucos anos, quando pesquisava para 'Sandman'."
Mas ele é importante para o senhor?
"O que resume Freud para mim está no comentário de Sandman. Na 'Casa de Bonecas' [livro da série 'Sandman'], Morfeu e Rose [Walker] estão voando lado a lado quando ela lhe diz: 'Você sabe o que Freud disse sobre o significado de voar, nos sonhos? Disse que, de fato, você está sonhando em fazer sexo'. E Morfeu pergunta: 'Ok, mas então qual é o significado, em seu sonho, de fazer sexo?'. E ela não tem resposta para isso."
Bernardo Gutiérrez - 4.jul.2008/Folhapress | ||
O escritor inglês Neil Gaiman, que disse tentar fugir dos rótulos e ser amante do surrealismo, em visita ao Brasil em 2008 |
BRASIL!
Gaiman sabe do apreço que desfruta no Brasil. Quando esteve na Flip, em 2008, lembra que "apareceram 1.600 pessoas na minha sessão de autógrafos. Em Nova York, Chicago e Los Angeles, não reúno mais que 300!"
E como explica esse fenômeno? Não será porque nos EUA as HQs sejam parte da cultura há muito tempo?
"Não sei explicar todo o fenômeno, e por isso ele me fascina. Os leitores brasileiros me parecem incrivelmente espertos, mas há uma série de coisas trabalhando contra. Uma delas é que o sucesso das HQs no Brasil começou no momento em que o Ocidente também o descobria. Isso tornou os livros caros para o padrão daí."
Mas Gaiman tem outra explicação, de ordem cultural.
"Também tive a impressão de que no Brasil muito poucas pessoas falam inglês. Isso quer dizer que elas ficaram por um tempo à mercê da indústria editorial e da situação da economia."
GRANDES NOMES
Qual a diferença entre HQs americanas e europeias? "Se você me fizesse essa pergunta 25 anos atrás, poderia facilmente lhe dar uma resposta. Mas hoje as coisas mudaram --e estão mudando."
Todos influenciam todos?
"Exatamente. De um lado a outro do planeta, todo mundo lê todo mundo."
E quais são os escritores e artistas mais importantes no cenário atual?
"Os mais importantes artistas são também os melhores escritores. São os responsáveis pelo que se fez de melhor nos últimos 15 anos. A adaptação que Robert Crumb, que começou no underground, fez para o 'Gênesis' é uma obra-prima."
Alguém mais? "Art Spiegelman, Chris Ware Linda Barry [todos americanos]..."
A internet mudou o gênero? "Mudou tudo! Porque você sabe muito rapidamente o que o outro está fazendo. E, com o iPad, está ficando cada vez mais fácil ler quadrinhos. O jeito de fazer também mudou, e isso me apaixona."
Em que trabalha agora?
"Em um livro de não-ficção sobre mitologia chinesa, a história de um rei macaco. Em também em um episódio para a TV inglesa."
E conclui, enfático: "E transmita todo o meu amor ao povo brasileiro".
Se essa elitização sem precedentes vem em nome da igualdade, é algo que pode parecer uma ironia cruel, mas nada tem de inusitado.
Ao longo da História, cada vez que um governante quis elevar seu coeficiente de poder, fez isso estrangulando, com a ajuda da massa idiotizada, as hierarquias intermediárias. Ivan o Terrível e Luís XIV deram a fórmula, que ainda funciona.A Biblioteca Nacional, que completa hoje 200 anos, tem um passado épico. Seu acervo inicial chegou ao Brasil em 300 caixotes de madeira, vindos de Portugal a bordo de três caravelas, nos anos de 1810 e 1811.
Alguns livros eram remanescentes do terremoto de Lisboa, de 1755. Dois anos antes de chegar ao Rio de Janeiro, o conjunto ficou esquecido no porto durante a fuga da Família Real.
Sua primeira sede no Brasil foi nas catacumbas de um hospital. Desde aquela época, por determinação do governo, tudo o que é publicado no país precisa ser arquivado na biblioteca. Este fato, somado à incorporação de coleções particulares brasileiras, fez de seu acervo o maior e mais importante da América Latina.
Considerada pela Unesco uma das dez maiores do mundo, a biblioteca tem uma coleção de obras raras inigualável no país, com pergaminhos do século 11, livros com marcas de censura da Inquisição, manuscritos de escritores que vão de Balzac a Machado de Assis, gravuras de pintores famosos e uma impressionante coleção de fotografias do século 19.
O tamanho é também seu ponto vulnerável. A biblioteca recebe 7.500 obras por mês. Seu acervo já ultrapassou 9 milhões de peças. E a instituição não tem nem estrutura para lidar com isso.
Rafael Andrade/Folhapress | ||
O interior da Biblioteca Nacional, criada no Rio de Janeiro em 1810 |
"O prédio principal já está lotado", diz o atual presidente, Muniz Sodré. Fotos raras foram furtadas do acervo em 2005. Livros novos e antigos estão em situação calamitosa num prédio anexo, na região portuária.
Desde 1990, quando se tornou uma fundação, a entidade vem acumulando funções relacionadas à política cultural. Uma delas é desenvolver programas de incentivo à leitura e montar bibliotecas no interior do país, o que envolve uma enorme estrutura logística para compra, estoque e distribuição.
Sodré diz que, em sua gestão, iniciada em 2005, já montou 1.856 bibliotecas.
Embora seja bom para o país, tem sido ruim para a biblioteca, que acaba dedicando esforço de menos em cuidar de seu acervo. No seu bicentenário, a instituição é mais uma máquina burocrática do que um glamouroso arquivo de raridades.
O Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países no mundo, juntos. Existem 1.240 cursos para a formação de advogados em território nacional enquanto no resto do planeta a soma chega a 1.100 universidades. Os números foram informados por Jefferson Kravchychyn, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Temos 1.240 faculdades de direito. No restante do mundo, incluindo China, Estados Unidos, Europa e África, temos 1.100 cursos, segundo os últimos dados que tivemos acesso”, disse o conselheiro do CNJ.
Segundo ele, sem o exame de ordem, prova obrigatória para o ingresso no mercado jurídico, o número de advogados no País –que está próximo dos 800 mil— seria muito maior.
“Se não tivéssemos a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teríamos um número maior de advogados do que todo o mundo. Temos um estoque de mais de 3 milhões de bacharéis que não estão inscritos na ordem”, afirmou Kravchychyn.
Má qualidade
Na opinião do conselheiro do CNJ, as faculdades de Direito no Brasil deixam a desejar. “Temos mais de 4 milhões de estudantes que estudam em faculdades que não ensinam mediação, arbitragem, conciliação. Ou seja, temos um espírito litigioso. Tudo eu quero litigar [discutir]. Isso é da formação da própria faculdade”, comentou o conselheiro, que citou, ainda, o perfil do brasileiro que entra com ações na Justiça.
“Não quero criticar o advogado, mesmo porque sou um. Mas precisamos mudar a consciência social sobre brigas no judiciário. Como todo mundo tem um advogado ou bacharel em direito na família, ou conhecido, qualquer coisa é motivo para entrar na Justiça”, finalizou.
O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça (…).
Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro.
Onde estava o cinturão? A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo (…).
Mandavam-me rabiscar algumas linhas pela manhã. Logo no início desse terrível dever, o pior de todos, surgiu uma novidade que me levou a desconfiar da instrução de Alagoas: no interior de Pernambuco havia 1899 depois dos nomes da terra e do mês; escrevíamos agora 1900, e isto me embrulhou o espírito. Faltou-me a explicação necessária (…). Com certeza não foi essa reflexão que me endureceu a munheca e povoou de borrões o traseiro, mas pode ter tido influência (…).
Deu segundo turno. Isso anima os tucanos, mas não creio que a festa ranfastídea irá durar muito. Se tudo o que já li sobre ciência política e neurociência aplicada a eleições vale alguma coisa, o advento do segundo escrutínio significa apenas que Dilma Rousseff terá de esperar até o fim do mês para comemorar sua assunção à Presidência da República. Para sair derrotada, a candidatura petista precisaria perder eleitores que já conquistara, um fenômeno que até pode ocorrer, mas que é relativamente raro.
Dilma terminou com 47% dos votos válidos. Para atingir a marca dos 50% que a entroniza no Planalto, precisa apenas herdar 1,5 de cada dez simpatizantes de Marina Silva. Colocando de outra forma, Serra precisaria arregimentar algo como 90% dos eleitores do PV para reverter o quadro. Pelas pesquisas das vésperas do primeiro turno, ele de fato incorpora a maioria dos verdes, mas numa proporção inferior à necessária: 50%. Cerca de 30% tendem a migrar para o PT.
Não são, contudo, essas platitudes aritmético-eleitorais que me motivam a escrever a coluna de hoje. A crer no que dizem marqueteiros, pesquisistas e jornalistas, foi a polêmica em torno do aborto que custou a Dilma a vitória no primeiro turno. Insuflados por clérigos que denunciaram o passado pró-abortista da candidata, eleitores religiosos (principalmente evangélicos, mas também católicos) teriam trocado a petista por Marina, genuinamente evangélica e contrária ao aborto desde criancinha. Para não perder a piada, eu diria que votaram na pessoa certa pelas razões erradas. (Recado aos adivinhadores de sufrágio: não, não votei em Marina).
A tese do efeito aborto é verossímil. Infelizmente, é difícil comprová-la porque os dois principais institutos de pesquisa, o Datafolha e o Ibope, na reta final, para reduzir o tempo das entrevistas, deixaram de perguntar aos eleitores a sua fé. O Datafolha excomungou a questão religiosa no final de junho, e o Ibope, em 23 de setembro. Os dados deste último, contudo, chegaram a registrar um esvaziamento de Dilma entre os evangélicos no mês passado.
O fato de o comando petista ter reagido firmemente procurando lideranças religiosas nos últimos dias da campanha e esconjurando a descriminação do aborto de seu programa também é sugestivo de que as sondagens do partido captaram a tendência, deflagrando uma operação de redução de danos.
Se confirmado como um fenômeno de grandes dimensões, seria a primeira vez que a religião se torna uma variável relevante em eleições majoritárias no Brasil. É justamente aí que mora o problema.
Longe de mim sugerir que pastores e padres não têm o direito de convencer seus rebanhos a votar segundo a palavra de Deus, ainda que esta esteja aberta às mais diferentes interpretações, muitas vezes inconciliáveis entre si. A democracia só existe quando as pessoas são livres para dizer o que pensam, mesmo que sejam besteiras ou fantasias delirantes, e o eleitor vota prestando contas apenas à sua consciência. Mas ninguém jamais afirmou que a democracia era a autoestrada para o paraíso. Como celebremente observou o estadista britânico Winston Churchill: 'Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos'.
O perigo de utilizar uma lógica espiritual para pautar a política é que ela introduz absolutos morais em questões que precisam ser resolvidas de uma perspectiva essencialmente prática, normalmente com recurso a negociações. Em suma, tudo o que não precisamos é trazer para as leis e políticas públicas é a noção de pecado. É claro que existe um equivalente laico do conceito de pecado, que é o crime. A diferença é que, enquanto este último tem uma justificação exclusivamente racional em bases mais ou menos utilitárias e comporta gradações, o primeiro, por ter sido ditado por uma autoridade superior e supostamente incontestável, nos chega na forma de pacotes inegociáveis. De certo modo, pensar religiosamente é negar a política.
A condenação da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani à morte por apedrejamento é um exemplo eloquente do tipo de problema com que estamos lidando. Ao contrário do que muitos possam pensar, atirar pedras em pecadores não é uma crueldade exclusiva do islamismo.
'Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti; Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti'. Essas passagens não foram tiradas do nobre Alcorão, mas da sagrada Bíblia judaico-cristã, mais especificamente do Deuteronômio 22:22-24.
Os muçulmanos não inventaram, portanto, o apedrejamento de adúlteros. Na verdade, o Alcorão determina para quem for apanhado cometendo esse delito uma pena bem mais leve, de apenas cem chicotadas. É o "Hadith" --a narrativa dos atos do profeta que, junto com o Alcorão, constitui a base da "sharia", a lei islâmica-- que autoriza, depois das chibatadas, a lapidação.
Detalhes legais à parte, a diferença entre o islã e o Ocidente hoje é que, enquanto este último assistiu ao longo dos últimos três ou quatro séculos a uma progressiva laicização das instituições e mesmo da vida, o primeiro permanece fiel a suas origens e textos religiosos.
Talvez seja excessivo afirmar que o Ocidente se tornou irreligioso, mas é certo que acabou ficando pouco zeloso nessa matéria. Foi essa oportuna avacalhação que fez com que as fogueiras inquisitoriais não voltassem a acender-se e permitiu que a ciência avançasse por terrenos que antes lhe eram vedados. Vale lembrar que, a depender da Igreja Católica, não teríamos nem ao menos desenvolvido a anatomia, a mais básica das disciplinas médicas.
A grande maioria dos ocidentais não chegou ao ponto de negar a existência de Deus --e dificilmente chegará--, mas relegou o sagrado a uma espécie de limbo. Um europeu típico --nas Américas a coisa é um pouco mais complicada-- diz que acredita em Deus e até vai a um culto cristão de vez em quando, mais por hábito do que por convicção profunda. Lê muito pouco a Bíblia e, felizmente, nem mesmo cogita de implementar as passagens que mandam apedrejar adúlteros --ou assassinar ateus, acrescento de olho em meus próprios interesses.
Não é só. Como procurei mostrar numa matéria que escrevi há pouco para a edição impressa da Folha, existe uma correlação negativa forte entre o grau de religiosidade de um país e seu sucesso econômico. Deus e pobreza andam de braços dados. Quem causa o que é uma questão aberta a interpretações.
É dessa pequena revolução iluminista que teve lugar no Ocidente que o islã se ressente. Lá muito mais do que cá, Estado e religião se confundem e tomam-se ao pé da letra as passagens do livro sagrado que descrevem o sofrimento futuro dos infiéis e as determinações do "Hadith" para que os apóstatas sejam assassinados.
Não estou evidentemente nem chegando perto de sugerir que essa novela em torno do aborto --e a vergonhosa capitulação de partidos que sempre defenderam um Estado laico-- nos coloca mais perto de uma teocracia. O próprio desenho institucional do país já veta essa possibilidade. Mas não é sem tristeza que assisto à negação da lógica laicista, que é a melhor coisa que aconteceu ao Ocidente nos últimos 300 anos.
É a velha Lei de Talião que impera no blog Sujo Sua Cara.
Se políticos poluem a cidade com propaganda eleitoral, há quem jogue isso na cara deles. E na cara mesmo, já que a revanche inclui pintar bigode, monocelha e sorriso banguela sobre o rosto dos candidatos.
"Vamos ser justos: se você pode sujar minha cidade, eu posso sujar sua cara", diz o texto de apresentação do site.
São três amigos de Porto Alegre por trás do blog. A maioria das imagens vem da cidade gaúcha, mas o trio (que prefere não se identifcar) recebe por e-mail colaborações de outros Picassos eleitorais.
Por e-mail, um dos responsáveis criticou à Folha a lei que veta cartazes em postes, mas libera cavaletes de rua.
"Essa semana andou ventando forte aqui em Porto Alegre, e esses materiais causaram muitos transtornos. Teve carro atingido, teve lixo na rua, e muitos foram parar no arroio Dilúvio (o nosso Tietê). Minha namorada quase atropelou um pedestre ao tentar desviar de um cavalete que saiu voando."
Internet e memória política |
Uma das grandes vantagens da internet é sua interatividade: ela pode ser usada como um grande banco de dados aberto para todos os usuários. Mas em que medida os brasileiros têm explorado as possibilidades desse mundo virtual quando se trata de participação política? E os políticos, como eles têm usado as redes sociais? |
por Mariana Fonseca |
Conversamos sobre esses e outros temas com o jornalista Rodrigo Savazoni, diretor da Fli Multimídia, que integra a Casa da Cultura Digital. Em entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil, Savazoni apontou que o jovem brasileiro está mais politizado e criticou a maioria dos nossos políticos, que ainda não usa com plenitude as redes sociais: eles optariam por um sistema de broadcasting, ou seja, “eu falo, você escuta”, e não pelas discussões mais horizontais que a rede propicia. LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL - A internet é uma ferramenta que pode reforçar a memória do eleitor? RODRIGO SAVAZONI - Cada vez mais temos aplicações desenvolvidas que usam a internet naquilo que ela tem de diferencial, que é ser um amplo banco de dados acessível para todo usuário. Nesse sentido, é possível encontrar informação sobre políticos, governantes que almejem continuidade em um cargo público etc. Mas não é algo intrínseco da internet, isso faz parte de uma noção de uso, ou seja, de uma percepção de como ela pode servir a propósitos culturais, políticos e cidadãos, auxiliando assim a escolha dos eleitores. Não é diferente do papel que a imprensa e a mídia de massa puderam desempenhar. O que varia é o fato de promover o acesso de acordo com a demanda do usuário, o que antes os outros meios não conseguiam proporcionar. Um exemplo é o site desenvolvido por jornalistas do St. Peterburg Times, o Politic Fact, projeto que ganhou, inclusive, o prêmio Pulitizer. Eles criaram, durante as eleições norte-americanas, uma espécie de “verdadômetro”, avaliando o que os candidatos prometiam, a partir de uma pesquisa e composição de banco de dados. Isso tem até sido copiado no Brasil. DIPLOMATIQUE - Quais aplicativos brasileiros você destacaria nesse ano eleitoral? SAVAZONI - Não estou acompanhando tanto as eleições atuais como acompanhei as anteriores, mas vou me arriscar citar alguns bons trabalhos. O que houve foi uma explosão desses aplicativos e iniciativas em várias frentes, numa passagem clara de que a internet começa a ter um peso maior nas eleições hoje do que teve anteriormente. Apesar não ser central, já que a influência da televisão ainda é enorme, temos um deslocamento razoável, que demonstra o papel que ela pode desempenhar. Eu destacaria alguns trabalhos desenvolvidos pela sociedade civil, como a repercussão da lei Ficha Limpa, que ganhou amplitude com o projeto Excelências, da Transparência Brasil. Outro interessante é o Transparência Hack Day, uma lista de discussões e ações promovidas pela Esfera. Mais um seria o Eleitor 2010, da Globol Voices, entre outros tantos (leia box ao fim da entrevista). Essas são iniciativas que partem de grupos da sociedade civil operando seu poder de mídia, sua possibilidade de se dispor de um meio de comunicação poderoso, a internet, sem precisar passar por uma mídia de massa tradicional. Claro, que se uma emissora de TV como a Globo decide fazer algo desse tipo, o impacto ainda é maior. DIPLOMATIQUE - Existe uma sensação de que as pessoas estão podendo discutir mais, participar mais pela internet. Isso é real? Os jovens ligados à internet estão mais politizados? SAVAZONI - Assistimos há alguns anos a um processo de politização crescente da sociedade brasileira. Alguns dizem que não, mas para mim é um discurso conservador de gerações mais velhas, falando das mudanças no perfil de participação e atuação. Mas, se analisarmos o volume de participação e as diferenças de foco da juventude de forma ampla, observamos um aprofundamento da complexidade da participação política no país e a internet acaba sendo um grande catalisador para esse tipo de ação que, muitas vezes, está atomizada devido à fragilidade das instituições de intermediação. Essas instituições, -- escolas, partidos, universidades e imprensa tradicional – que foram muito fortes no século XX, estão enfraquecidas. Continuam tendo poder, mas com menos impacto nos cidadãos que nasceram com a rede. Surgiram novos arranjos de participação. Se isso vai gerar efeitos na prática, ainda temos que observar, mas já vemos uma ânsia de participação que a rede potencializa. O Facebook e o Twitter são exemplos disso.
DIPLOMATIQUE – E como foi a apropriação por parte dos políticos dessas ferramentas? Falou-se muito do Barack Obama. Qual foi a grande descoberta dele? SAVAZONI - A internet é uma ferramenta poderosa, fortalece as condições de conversação, permite diálogos horizontais e o surgimento de coisas que poderiam ficar escondidas por conta da organização do sistema midiático. No caso do Obama, ele veio de oito anos de governo George W. Bush e soube explorar essa ânsia de mudança no país, principalmente no contexto das prévias com a Hillary Clinton. Ele precisou usar das novas tecnologias para criar condições de interlocução igual para ambos, já que nos meios tradicionais não conseguiria. A campanha do Al Gore, feita oito anos antes, também havia usado bastante a internet, que na época já tinha uma difusão nos Estados Unidos igual à que temos atualmente no Brasil. Ele explorou-a tão bem quanto Obama. O diferencial é que houve um amadurecimento social do uso dessas ferramentas e um acordo político para superar os anos Bush. É claro que a internet teve um papel importante, mas você não gera um novo Obama com as ferramentas, existe um contexto político que produz isso.
DIPLOMATIQUE – No recente debate dos candidatos à presidência, o Plínio de Arruda Sampaio (PSOL), por exemplo, falou do uso Twitter. Como os políticos brasileiros têm usado as redes sociais? SAVAZONI - Essa é a primeira eleição no Brasil que ocorre com base em uma lei que permite o uso das novas tecnologias. Nas eleições anteriores, as mídias sociais estavam vedadas por conta de um marco legal completamente anacrônico. O Brasil superou isso e permitiu que a internet fosseusada em sua plenitude pelos candidatos, inclusive com doações online, que foram importantes no contexto americano e que vão influenciar o cenário brasileiro. Mas eu diria que até agora nenhum candidato se comprometeu de forma significativa com a rede que mereça ser destacado. Não é o caso da Dilma, Serra, Marina e até do Plínio, que recentemente descobriu esse espaço como uma forma de vazar o cerco midiático que ele sofre por ser um candidato que vocaliza certos valores que parecem não interessar às mídias eletrônicas de massa, especificamente a televisão. O uso das redes sociais é difundido: todos os candidatos têm Twitter, Facebok, Orkut etc. O Mercadante aqui em São Paulo até criou uma rede social específica, organizando sua campanha por meio de uma rede desenvolvida em software livre etc. Mas ninguém se destacou porque as campanhas aparentemente ainda não decolaram.
DIPLOMATIQUE - É possível discutir política em 140 caracteres (tamanho máximo de textos postados no Twitter)? SAVOZONI - Quanto maior a candidatura, menos se discute nas redes sociais. Quanto maior a candidatura, mais forte é a opção por usá-las como meio de broadcasting, “eu falo, você escuta”. O que os candidatos não perceberam ainda é que a internet é um arranjo que permite a conversa de muitos para muitos. Mas quando você vai descendo para candidaturas menores, de deputados federais ou estaduais, esse diálogo já ocorre. A proximidade com os eleitores vai deixando a conversa mais qualificada. Característica comum nas redes sociais, ter muitos seguidores isso é visto como sucesso; mas, por outro lado, quando se tem um universo mais controlado, a qualidade das discussões é maior. Essa é uma contradição, um fato que precisa ser observado. Uma pesquisadora do Rio Grande do Sul, Raquel Recuero, tem uma visão bem técnica e apresenta vários dados interessantes. As pesquisas que ela tem divulgado e o que temos visto demonstram que a qualidade da conversação aumenta na medida em que se tem maior proximidade entre o candidato e seus potenciais eleitores.
DIPLOMATIQUE – Apesar da possibilidade de busca, candidatos com o histórico bastante sujo têm um eleitorado expressivo ou já foram reeleitos. Essa busca chega à maioria da população? SAVAZONI – Duas coisas importantes. Primeiro a internet hoje já tem uma penetração de 70 milhões de usuários, o que já faz diferença no país em questão de troca de informação e obtenção de informação. Segundo, é fato que a rede potencializa o que as pesquisa já dizem do eleitor, que ele escolhe seus candidatos na troca de informações entra seus pares, familiares, amigos e essa influência na internet fica mais potencializada. A internet não pode ser encarada como uma panacéia. Peguemos o caso do Joaquim Roriz, no Distrito Federal, por exemplo, que ao que parece será impugnado pelo Tribunal Superior Eleitoral devido à sua ficha suja. Ele criou uma rede social muito mais eficiente que a internet, dando lotes para pessoas da região metropolitana de Brasília e, por isso, lidera as pesquisas de opinião. É um acúmulo gerado ao longo do tempo. Não é uma mobilização social momentânea online que vai inverter esse tipo coronelismo ou populismo. Claro que esse acúmulo vai sofrendo impactos com o passar dos anos e a com a democratização, mas esses acordos políticos que fazem parte da sociedade não serão revertidos de uma hora para outra. Dito isso, é fato que essas mobilizações em rede podem criar alternativas interessantes e ajudar as pessoas a esclarecerem dúvidas. Como o caso do projeto Politic Facts que gerava uma leitura sobre o que circulava na rede, spams, informações de marqueteiros etc. Fizeram um banco de dados onde eles filtravam as notícias, usando métodos jornalísticos, buscando esclarecimento, tentando dizer se uma coisa procedia ou não. O leitor podia separar o expediente eleitoral da verdade propriamente dita. Um exemplo brasileiro seria o caso da candidata Dilma Rousseff. Circulou na web que ela era terrorista e tinha assassinado pessoas. Por outro lado, a sua campanha tenta vinculá-la ao Nelson Mandela, pacifista que teve que pegar em armas. São dois extremos que têm uma verdade bem mais complexa. A rede pode cumprir um papel interessante nesse sentido.
DIPLOMATIQUE –A internet também é um espaço que facilitou a difamação e a divulgação desses spams. Em quem confiar? Esse caráter de banco de dados, como falamos no começo da entrevista, é importante: essa memória jamais esteve disponível. Sempre dependemos do que a imprensa publicava ou das campanhas. Essas informações não estavam facilmente disponíveis para o leitor mais crítico. A internet resolve esse problema. Por outro lado, isso passa por um envolvimento com a política menos emocional e mais racional. Hoje você pode recorrer à rede para se informar melhor. E com esse conjunto de informações, o eleitor pode decidir como quer votar, o que é um avanço. Mas isso faz mais parte da relação que as pessoas estabelecem com a política, e não com a internet. E claro, a natureza e qualidade dessa informação produzida são importantes, a proporção de informação gerada na rede não corresponde em volume à qualidade. Mas esse cenário, comparado a outros que já tivemos, é sem dúvida muito melhor. Uma das coisas mais interessantes que eu já li até agora na internet sobre as eleições foi do Xico Sá, que tuitou sobre o debate da semana passada. Se você entrar no YouTube e vir as edições produzidas pelos correligionários de Dilma e Serra, verá que eles tentam forçar a interpretação favorável para seu candidato. Posto isso, o Xico disse: “todos nós podemos ser como a TV Globo nas eleições de 1989”. O YouTube nos deu esse direito. A pergunta é: quem é que vai olhar tudo isso com algum distanciamento crítico e tentar esclarecer as pessoas? Boa pergunta.
DICAS DO SAVAZONI Promessas de uma web bacana nas eleições Destaco alguns trabalhos que vale a pena ficar atento nesta eleição, como forma de visualizar as melhores formas de usar a internet em um processo eleitoral. Na minha lista, só coloquei iniciativas da sociedade civil, porque acredito que é por meio delas que a comunicação efetivamente a serviço do cidadão se desenvolve no mundo das redes. - Eleitor 2010 (Global Voices) Esse projeto pretende organizar uma cobertura descentralizada e colaborativa em todo o país, para agregar informações sobre as campanhas por meio da ação de cidadãos engajados em produzir informações qualificadas. Muito bacana, mas ainda não decolou. - Esfera e Comunidade do Transparência Hack Day Ainda não há nenhum aplicativo específico desenvolvido, mas o pessoal tem trabalhado fortemente na organização de ações para unir política e desenvolvimento web com a finalidade de construir governos mais transparentes. Sairá coisa boa daí. - Projeto Excelências (Transparência Brasil) Banco de dados bem sucedido e consagrado, vencedor do Prêmio Esso, idealizado pelo excelente jornalista Marcelo Soares, o Excelências literalmente dá a ficha dos candidatos para que o eleitor possa escolher melhor. Na minha opinião, o melhor projeto feito sobre eleições até agora é o PolitiFact, realizado nos Estados Unidos. Escrevi sobre ele um tempo atrás e acho que o que está ali ainda é válido. Não vi ninguém fazer nada parecido por aqui. Algumas iniciativas até começam a copiá-lo, mas não chegam nem perto quando comparamos interface e trabalho de apuração e checagem com o original americano. |
Stefan Zaklin/Efe |
Stephen Hawking durante a conferência "Por que devemos viajar ao espaço", nos EUA; ele é fã da exploração tripulada |