12 de nov. de 2009

Sem carne, sem osso (da Carta Capital online)

Love robot, é uma das telas expostas na mostra Venus Robotica: sex-robot sur catalogue, em Paris. A boneca, obra de uma artista que assina June-1, é um dos quinze trabalhos de várias tendências artísticas cuja missão é inspirar designers a construir as robôs humanoides mais sedutoras do futuro. Thierry Ruby, o diretor do Cabinet des Curieux, onde Venus Robotica acontece até o fim de dezembro, lança: “O tema é atual”. Atualíssimo.

Segundo o britânico David Levy, campeão internacional de xadrez, expert em inteligência artificial e autor do best seller Love + Sex With Robots (Harper Perennial, 2007, 334 págs., US$ 14,95), atualmente não é sequer possível imaginar os avanços que serão realizados nos próximos três anos nas (e nos) robôs humanoides. No seu best seller, Levy sustenta que até 2050 será normal alguém ter uma relação íntima com um robô. Mais: será comum uma pessoa se apaixonar por um(a) robô humanoide – e se casar com ele(a). E ter ciúmes da ou do robô humanoide.

Os japoneses estão na vanguarda dessa nova onda de produção de robôs humanoides, os futuros membros de uma sociedade nipônica semelhantes ao mundo futurista criado por Ridley Scott no filme cult Blade Runner, o Caçador de Androides. Os motivos são dois. Primeiro: ao contrário dos inventores franceses de outrora, os nipônicos entenderam há dois séculos que, explica Levy, “os autômatos são mais atraentes se apresentados à guisa dos humanos”.

Dito de outra forma, a interação com um robô fisicamente semelhante a um ser humano seria mais fácil do que aquela entre uma pessoa – e, digamos, um extraterrestre. E aqui vale acrescentar: no Japão, quando algo toma o aspecto de uma pessoa, esse objeto pode, potencialmente, passar a possuir um espírito, ou um tamashii. O segundo motivo pelo qual os japoneses estão na vanguarda da produção de robôs humanoides é demográfico. Num país com uma população que envelhece em alta velocidade, cientistas nipônicos de todas as áreas resolveram unir forças para substituir a mão de obra humana pela robótica. Além do apego à ciência, pode-se detectar uma ponta de protecionismo racial na decisão.

E assim os japoneses construíram robôs para trabalhar nas linhas de montagem de fábricas. E, por serem tão fiéis a seres vivos nos seus projetos, os cientistas japoneses por vezes chegaram, através de seus rebentos, a comover. Por exemplo, o cachorrinho-robô Aibo, da Sony, é, segundo pesquisas, tão adorado quanto cachorros normais. Certamente, os robôs-enfermeiros capazes de ajudar os mais velhos também terão, graças à sua aparência física e inteligência artificial, um lado humano. Este, diga-se, é um projeto da Toyota para 2010. Parece que esses enfermeiros servirão chá.

E se forem enfermeiras?

Quem sabe poderia ser uma sedutora robô e, no caso, versada em poesia, regras da etiqueta e entretenimento de senhores das cortes. Em suma, uma gueixa, como nos velhos tempos. E eis uma pertinente questão: ela, robô-gueixa, poderia satisfazer os desejos sexuais de certos senhores idosos, ou até menos idosos? Esta é uma área -–-- --particularmente- nos caso das ainda existentes gueixas – na qual os próprios japoneses parecem titubear. Gueixas se prestavam ou não a atos sexuais? Sabe-se que flertavam, e flertam. E o flerte em si, e a incerteza de uma relação mais íntima, parecia ser suficiente para excitar (não se sabe ao certo de que forma) numerosos japoneses.

Aparentemente, no século XVI as gueixas pintavam e bordavam no quesito sexual. Em plena Segunda Guerra Mundial, as gueixas deitaram e rolaram com marines atrás de biombos, donde sua atual reputação no Ocidente. Mas, independentemente da reputação no passado, e no futuro das ainda existentes gueixas, tudo leva a crer que as robôs nipônicas são no mínimo servis. Mas até que ponto elas seriam atraentes como uma verdadeira gueixa?

Vejamos. A Love Robot, na mostra Venus Robotica, não pode ser considerada desejável. June-1 fez um interessante trabalho artístico, mesclando o fantástico com o surrealista, com uma pincelada de gótico. Mas, na vida real, a mão esquerda da boneca está separada do antebraço por fios. Isso não seria preocupante antes do ato sexual? Os joelhos, para piorar o quadro, parecem desconjuntados do corpo. E, contudo, como concorda o próprio dono da galeria Thierry Ruby, “Love Robot é a boneca que mais se aproxima das atuais”.

A Actroid DER2, desenvolvida na Universidade de Osaka e produzida pela Kokoro, foi lançada em 2006 com algum sucesso. Não se trata de uma boneca concebida para o sexo, mas a associação é inevitável. Motivo: todas são apresentadas em shows, desfiles, etc. E são, em tese, mulheres. Produzidas desde 2003, as atuais Actroids podem ser visualizadas no YouTube. Elas têm pele de silicone e codividem pelo menos algumas semelhanças com mulheres. Graças aos seus pontos de articulação (47), respiram, piscam. E sua inteligência artificial lhes permite responder às perguntas (fáceis) feitas pelos curiosos.

Em março deste ano, a HRP-4C, a robô humanoide criada pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada, foi apresentada em Tóquio. Ela seria uma robô-manequim, e poderia, sempre no campo hipotético, desfilar como Kate Moss. A HRP-4C teria, porém, formas da mulher -média no Japão, o que as deixa vários centímetros abaixo de uma modelo como a própria Kate. Pior: HRP-4C mede apenas 1,58 metro e pesa 43 quilos, incluindo a bateria. Ou seja, ela é baixa, para os parâmetros de uma modelo, e é gordinha. Ou seja, precisaria fazer um regime à base de proteínas.

HRP-4C caminha, o que ajuda no regime. Mas em Paris, a despeito de altura e peso, não permitiram que desfilasse. Quando anda, os joelhos da HRP-4C parecem ter molas, e assim a cadência da robô humanoide deixa a impressão de que ela preferiria se sentar. Ou será que não sabe usar saltos? De todo modo, está longe de ser sexy como a sempre citável Kate Moss. Contudo, a camada de silicone no rosto da robô chama atenção, dada a harmonia das feições. HRP-4C expressa surpresa, raiva. E sorri. Graças a sistemas de reconhecimento de fala, a robô se comunica. “Hello, everybody”, diz ela, sorriso nos lábios. A modelo-robô é, contudo, cara: o equivalente a 470 mil reais.

Muito mais barata e imensamente mais interessante é Aiko – e seu parceiro/inventor. Ele responde por Le Trung, um japonês de 33 anos que imigrou para o Canadá, aos tenros 8 anos. Trung é o clássico nerd. Com três diplomas universitários – química analítica, bioquímica e ciências gerais –, ele diz, no seu website, que tinha um sonho de garoto japonês: criar um robô. Assim, criou Aiko (“a amada”, em japonês).

O projeto começou em meados de 2007, quando Trung estava desempregado. Até agora, Trung, sem nenhum apoio, teve de desembolsar 20 mil dólares. Mas Aiko já desempenha várias funções. Ela pode ser desenvolvida para ser a mulher perfeita, pelo menos no parecer de Trung. De forma patética, ele pede doações para seu Projeto Aiko da seguinte forma: “Por favor, ajude um menino a realizar seu sonho”. Menino?

De qualquer forma, o resultado Aiko (veja no YouTube) é impressionante. Ainda mais quando se considera que seu autor é um cientista independente. Aiko possui, ou pode possuir, inúmeras competências, mas elas não são claras. Motivo: o site de Trung não é transparente sobre o que a robô já faz, embora o seja naquilo que não faz.

À parte os clips no YouTube, as fontes para esta reportagem sobre Aiko podem ser questionáveis. Por exemplo, artigos sensacionalistas de diários das ilhas britânicas elaboram sobre os jantares em restaurantes de Aiko e Trung (Aiko, contudo, não pode comer). Outros diários como o Daily Mail, também britânico, sustentam que Trung é um nerd tão ocupado que teve de “construir a namorada perfeita”. Parece, de fato, ser o caso.

CartaCapital tentou se aproximar de Le Trung para saber o que Aiko realmente é capaz de fazer hoje, e o que fará no futuro. Ele não respondeu, quem sabe por causa de algumas perguntas sobre suas eventuais relações sexuais com Aiko. Ele não poderia se apaixonar por ela?

No site de Trung, www.projectaiko.com, aprendemos que ele é, apesar de cientista, um tanto nostálgico. Trung jamais substituiria uma amiguinha sua que deixou no Japão, aos, vale lembrar, 8 anos, pela Aiko.

Também aprendemos que Trung, talvez por ter vivido tanto tempo no Canadá, deixou de acreditar, a despeito da mentalidade- de seus contemporâneos, que é possível transferir emoções ou um verdadeiro espírito para sua Aiko. A robô androide parece uma mulher e é dotada de inteligência artificial. Poderia passar a ter um espírito ou um tamashii?

Indagamos a Trung, por e-mail, que precederia uma entrevista telefônica (essa era nossa intenção) por que Aiko não poderia substituir sua pré-adolescente amada. Trung, vimos, fecha-se em copas. Protege sua intimidade. É possível que Aiko seja capaz de ler e enviar e-mails, de sorte que teria partido dela a decisão de vetar respostas a uma revista brasileira, talvez tão tendenciosa quanto os sensacionalistas diários britânicos.
Fiquemos, portanto, com o que nos diz a respeito de Aiko seu criador, Trung, no seu website oficial. Ela pode ser recepcionista. É capaz de usar a -internet, ler jornais e fazer relatórios. Nos aeroportos, ela detecta 250 fisionomias por segundo e, por tabela, poderia colaborar para os serviços de segurança. Aiko habilita-se, ainda, a dizer a que horas e de que portão parte um avião com absoluta precisão. Em casa, ela pode cuidar de crianças e de idosos.

E é, parece, grande companheira. No seu website, Trung nos garante que ela teria 20 e poucos anos. Aparenta, contudo, uns 12, se muito. Um problema que, no jargão de David Levy, o autor de Love + Sex With Robots, talvez terá de ser resolvido pela chamada “psicologia robótica” e, mais especificamente, por “robo-psicólogos” como Alexander e Elena Libin, especialistas no assunto da Universidade de Georgetown. Resumindo, estaríamos falando em pedofilia com robôs.

É possível que Trung, neste nosso mundo do politicamente correto, esteja abusando de uma robô adolescente. E assim poderá ter de lidar com a Justiça do futuro. Em I, Robot (1951), o escritor de ficção científica Isaac Asimov foi claro ao estabelecer as três leis da robótica. De todas elas sobressai-se um valor: robôs têm direitos. Trung parece desconhecê-los. Talvez ainda influenciado pelas suas leituras, ou conhecimentos mais aprofundados sobre gueixas, diz que ao aprimorar Aiko ela poderá ter vantagens como, entre outras:
1. Preparar café ou chá.
2. Servir sushi na boca.
3. Preparar ovos pela manhã.
4. Fazer massagem nas suas costas e no pescoço.
5. Limpar as janelas.
6. Limpar a privada...
Enfim, Trung parece, talvez, precisar de uma gueixa do século XVI, não de uma mulher do século XXI. Mas Trung tem relações sexuais com Aiko? Não, segundo o site da CTV News, de Ontário, Canadá.

E graças ao site da CTV News veio à tona o seguinte: Aiko tem sensíveis seios e vagina, graças a um sistema sensorial instalado pelo próprio Trung. Mas, ao formatá-la, ele se descuidou. Programas pornográficos da internet influenciaram o sistema de Aiko e, por tabela, seu vocabulário pode ser bastante liberal. Ou seja, a jovem robô fala sobre sexo como uma desbocada aluna de liceu de uma escola pública parisiense.

O enigmático criador diz que construiu Aiko como mulher porque uma androide seria menos ameaçadora do que um macho. Ao Daily Mail, Trung disse ter sofrido uma parada cardíaca e que Aiko seria uma excelente enfermeira para ele. Será que a gueixa caseira é mais enfermeira do que sex doll para o nosso Trung? Assim parece.

No entanto, para aqueles mais ligados ao sexo, honeydolls, produzidas no Japão (www.honeydolls.jp/en/gallery.html) seriam a resposta. São seis moçoilas nas quais a tecnologia robótica de ponta japonesa funciona em pleno vigor para o mercado do sexo. Entre elas, a empresa diz que Aki e Saori fazem felação. Elas têm 1,56 metro e todas as seis têm quadris e pernas rotativas. Algumas, ao toque no seio, gemem. Murmuram frases no ouvido do parceiro. Em suma, são concebidas com base na demanda do mercado japonês. Mas, dada sua qualidade, são exportadas mundo afora no prazo de 10 a 30 dias. Os preços variam, dependendo das exigências.

Robôs sexuais são compradas, diz David Levy, pelos mesmos motivos que uma prostituta satisfará as exigências de um homem, ou mulher. Com a vantagem da certeza de não haver complicações posteriores. Um robô poderá satisfazer práticas não adotadas na vida comum de um casal. Por exemplo, a mulher poderá usar o vibrador de um robô mais longamente do que ocorre no cotidiano. Como o do robô Gigolo Joe, encarnado por Jude Law no filme Artificial Intelligence, de Steven Spielberg.

Não faltam versões contrárias. Para Luc Arasse (www.arasse.net/), artista de vanguarda francês de 42 anos que esteve em Tóquio para filmar androides, sexo com robôs é pura fantasia. Por ora, pelo menos. No entanto, a busca de Arasse teve razão de ser. “Meu objetivo era fazer um arquivo sobre ‘máquinas sentimentais’”, disse-me ele. Ou seja, Arasse queria entender esses robôs que são feitos para nos amar. Um tema bastante interessante para um artista com uma forte base em sólidas universidades de Ciências Políticas e grande curiosidade intelectual em nível global.

“’Faz muito tempo, desde 1900, que essas robôs ou bonecas existiam, e eram e são feitas para ser amadas”, diz Arasse. Mas o que o interessava são as novas, capazes de dialogar e de interagir. “Ou, pelo menos, de adaptar seu comportamento ao meio ambiente”, diz Arasse. E isso, claro, implicaria um lado afetivo, por parte das bonecas ou bonecos. Nesse contexto, robôs teriam a capacidade de aprender.

A meta de Arasse era saber como os cientistas veem o comportamento desses robôs no futuro. Ao mesmo tempo, o artista queria entender por que eles dão esta ou aquela face, voz, etc. a um robô. Indaga Arasse: “Qual seria – e qual a base – para os cientistas produzirem um robô ‘quase humano’?” Sim, ele concorda que atravessamos um período de transição. “Aprenderemos a viver com eles e os acolheremos.” Contudo, ao filmá-las, Arasse percebeu que essas máquinas “decepcionam”. Diz: “Não senti nenhuma humanidade nos androides, apenas mecanismos aperfeiçoados”.

Atualmente, claro, em Tóquio, o mercado é de robôs que oferecem sexo. Bordéis de robôs. Como diz Levy, o mercado livre define futuras tendências. Se no momento o sexo na internet vale 12 bilhões de dólares, adivinha-se na área de robôs de sexo. No Japão, onde as gueixas estão desaparecendo, por uma questão de tradição, essa mutação poderia ser normal. E no Ocidente? Levy sustenta que robôs sexuais marcarão o fim da prostituição, a mais velha das profissões. Mas e o romance? Deckard, o detetive de Blade Runner, não se apaixonou pela replicante Rachael? Consta, contudo, que Deckard também era um replicante.

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